quarta-feira, 29 de setembro de 2010

MPF notifica Ibama sobre exigências prévias de Belo Monte

Foto: diariodopara.com.br


Procuradores alertam que nenhuma nova licença poderá ser concedida antes que todas as condicionantes sejam concretizadas

O Ministério Público Federal notificou o diretor de licenciamento do Ibama, Sebastião Custódio Pires, sobre o não-cumprimento das condicionantes prévias da hidrelétrica de Belo Monte. No oficio, o MPF chama atenção para as providências relativas aos povos indígenas afetados pelo projeto. Além das chamadas condicionantes indígenas, existem pelos menos mais 35 ações relativas à infraestrutura dos municípios afetados, qualidade da água, sobrevivência das espécies da volta grande do Xingu e outras preocupações socioambientais.
Pela legislação ambiental em vigor no país, após o leilão da obra, as condicionantes deveriam estar sendo providenciadas pelos empreendedores. O MPF alerta o Ibama que, de acordo com informações da Fundação Nacional do Índio, não foram cumpridas as seguintes pré-condições relativas aos indígenas impactados: a desintrusão (retirada dos ocupantes não-índios) das Terras Indígenas (TI) Arara da Volta Grande e Cachoeira e de todas as áreas indígenas afetadas, a redefinição de limites da TI Paquiçamba, que vai ficar sem acesso à água com as barragens, e a regularização fundiária dos povos indígenas.
Além disso, antes mesmo do leilão já foram desobedecidas duas condicionantes: as Terras Cachoeira Seca e Arara da Volta Grande deveriam ter sido demarcadas e a Terra Apiterewa, dos índios Parakanã, deveria ter sido palco de desintrusão. No ofício do MPF, o Ibama é lembrado de que só depois de todas as providências exigidas na Licença Prévia é que poderá se estudar a concessão de qualquer nova licença para o início das obras.
Entenda o processo de licenciamento - A Licença Prévia concedida pelo Ibama à hidrelétrica de Belo Monte é, como o nome traduz, uma figura do processo de licenciamento que estabelece as condições prévias essenciais da viabilidade ambiental do empreendimento. No caso da hidrelétrica no Xingu, foram estabelecidas 40 condicionantes – ações que, obrigatoriamente, tem que ser concretizadas pelo empreendedor antes que sejam iniciados os estudos para a Licença de Instalação, segunda etapa do licenciamento ambiental.
As condicionantes que são referidas pelo MPF no ofício enviado essa semana fazem parte do chamado componente indígena do licenciamento de Belo Monte e foram detalhadas em parecer da Funai que considerou viável a obra, desde que fossem obedecidas as condições elencadas relativas aos índios (veja o documento na íntegra em
http://bit.ly/parecer-funai).
Além das condições relativas à sobrevivência dos povos indígenas, existem outras condições prévias – as chamadas condicionantes – que precisam ser providenciadas para que a obra de Belo Monte possa começar. São questões, por exemplo, como a infraestrutura de saúde e educação da região afetada, que vai receber, segundo estimativa dos Estudos de Impacto, cerca de 100 mil migrantes nos anos de instalação da usina.
“É preciso haver escolas, hospitais, médicos, remédios, para que não aconteça um colapso nos serviços públicos”, explica o procurador da República Cláudio Terre do Amaral, um dos procuradores da República que acompanha o empreendimento de Belo Monte. Todas as exigências – direitos dos indígenas, de infraestrutura, relativas à escolas, saúde, saneamento, qualidade da água, remoção de atingidos – estão sendo acompanhadas pelo MPF.

Ministério Público Federal no Pará
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terça-feira, 28 de setembro de 2010

Construir para destruir

Karina Miotto

Canteiro de obras no rio Madeira  (foto: Consórcio Santo Antônio Energia S/A, cedida por Telma Monteiro)



















O governo federal está convicto de que investir em hidrelétricas na Amazônia é um bom negócio. “Para quem?”, questionam-se ambientalistas e pesquisadores, além de populações que serão atingidas por obras megalômanas como Santo Antonio e Jirau, em andamento no rio Madeira (RO), e de outras dez planejadas para o rios Teles Pires (MT) e Tapajós (PA), cada uma com cinco usinas, além de Belo Monte, no Xingu (PA). Há quem diga que elas podem selar a destruição da floresta. O presidente Lula parece não se incomodar, e deu sinal verde para outras Usinas Hidrelétricas de Energia (UHEs) para a região.

A quantidade exata é incerta, pois nem órgãos oficiais como a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), ligada ao Ministério das Minas e Energia, consegue responder quantas obras deste porte estão previstas para a Amazônia brasileira. Os números do Plano Decenal de Expansão de Energia 2019, por exemplo, referem-se genericamente apenas à “região norte”.

Para fechar o quebra-cabeças, a ONG International Rivers analisou documentos oficiais e chegou a uma conclusão de assustar: afirma que o governo planeja construir 68 empreendimentos na Amazônia brasileira, entre UHEs e Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs). Não à toa, a EPE afirma que 66% do potencial hidrelétrico a ser explorado no país está na floresta. “A destruição tem um custo alto que não está sendo levado em conta. É óbvio que o governo não estudou impactos de todas as barragens planejadas e nem debateu isto com a população, antes de fazer seus planos”, diz Philip Fearnside, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA).

Empresa de Pesquisa Energética (EPE/MME)
Ao ofertar energia, criam-se condições para que mineradoras e metalúrgicas tenham interesse em explorar os recursos da região amazônica. "Querem transformar o Brasil em fornecedor de energia barata para multinacionais. Esta é uma atitude colonialista baseada na guerra econômica e não nas necessidades sociais", afirma Oswaldo Sevá, professor das faculdades de engenharia mecânica e de ciências sociais da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

“A construção de UHEs não se justifica por geração de empregos ou desenvolvimento local, mas por negócios lucrativos, que é o que o capitalismo precisa para se recuperar de uma crise estrutural", complementa Sevá. "Se juntarmos todas as intervenções planejadas, teremos uma verdadeira hecatombe de consequências imprevisíveis. Hidrelétricas podem destruir a Amazônia" afirma Telma Monteiro, coordenadora de energia da Associação Kanindé, que atua em questões indígenas.


UHEs e seus impactos socioambientais

Impactos ambientais e sociais estão intrinsecamente ligados. “Parte da população que não está nas cidades e mesmo quem mora em áreas urbanas depende direta ou indiretamente dos rios para sobreviver. Os impactos vão muito além das áreas afetadas”, afirma Raul do Valle, advogado do Instituto Socioambiental (ISA). “É inconcebível impactar tanto a floresta sendo que a própria região não se beneficia dessa geração de energia”, complementa Ricardo Baitelo, da Campanha de Energia do Greenpeace.
“Na Amazônia, a construção de UHEs é mais problemática do que em outras regiões do país. É fatal”, diz Baitelo. Deslocamento de populações indígenas e tradicionais, migração e caos na infraestrutura urbana são alguns exemplos de consequências sociais drásticas. Do ponto de vista ambiental, há alteração da vazão do rio, da qualidade da água, impactos para a viabilização da obra (como construção de estradas, o que gera desmatamentos), danos à biodiversidade que podem chegar à extinção de espécies e emissão de gases como CO2 e metano.

Fearnside afirma que “é expressiva a emissão de gases de efeito estufa por hidrelétricas amazônicas”. Ele explica que reservatórios em regiões tropicais, como é o caso da Amazônia, têm grandes áreas com vegetação herbácea: de fácil decomposição, cresce rapidamente e produz metano, um gás 25 vezes mais nocivo do que o CO2 para o aquecimento global - uma prova de que a propalada energia limpa das usinas é um tanto quanto questionável.


Usina hidrelétrica de Tucuruí, PA (Foto: Alois Indrich)
(Maus) exemplos históricos


Nas usinas do rio Madeira, antes mesmo de as obras começarem já houve aumento de migração, trânsito e violência em Porto Velho (RO). Conforme explica Fearnside, em 1990 e aos seis anos de idade, a usina de Tucuruí (PA) liberava mais gases de efeito estufa do que a cidade de São Paulo.  "Estas usinas, somadas às de Balbina (AM), Samuel (RO) e Estreito (TO) são desastrosas do ponto de vista socioambiental", complementa Sevá, da UNICAMP.

Para Baitelo, o governo opta por grandes obras a fontes menos impactantes por algumas razões. “É uma questão cultural, de knowhow e de desconfiança quanto ao potencial de energias renováveis, mas também tem o lado político, que envolve superfaturamentos e lucro de empreiteiras".

Estes são quesitos presentes na polêmica construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, que atropelou pesquisas econômicas e ambientais em nome do interesse do governo brasileiro. Se for  construída, praticamente secará 100 km da Volta Grande do rio Xingu, extinguirá espécies de peixes, deslocará até 40 mil pessoas e alagará uma parte da zona urbana, além de ser ineficiente do ponto de vista energético: durante a maior parte do ano produzirá 40% da energia prometida de, no máximo, 11 mil MW.
“Por isso, o governo está bancando. Ninguém quer assumir o risco, pois não existem garantias de retorno financeiro e nem de compensações de perdas", diz Sevá. Quem pagará a conta será o cidadão brasileiro. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) bancará até 80% do total de R$ 19,6 bilhões dos custos.

"Belo Monte vem da época da ditadura, em que não havia freios nem espaço para resistência. É uma vergonha do ponto de vista de engenharia e também ético. Há 30 anos ouvimos mentiras: a obra não será barata, mas caríssima; dados do governo mudaram três vezes a área alagada - de 430 km2, foi para 516 km2 e agora está em 640 km2; é mentira que vai atingir poucas pessoas e que, se não for feita, pode haver apagão; não vai promover o desenvolvimento de Altamira e não existe compromisso de reassentar ninguém", afirma Sevá.

As polêmicas vêm de outras ações arbitrárias do próprio governo, o que explica as nove ações judiciais movidas pelo Ministério Público Federal devido a irregularidades no processo. "Se ganharmos uma delas, a obra nem começa. Belo Monte não é um fato consumado, como tem sido propagado", afirma Felício Pontes Jr, procurador da república no Pará. Para ele, “esta é a obra mais cara do país, fica no coração da Amazônia e é completamente ineficiente”.

A Amazônia não precisa de hidrelétricas

De acordo com Baitelo, a média de radiação solar na Amazônia é superior à da Alemanha, país com mais painéis instalados, ao lado da Espanha. “Roraima e Pará poderiam utilizar a eólica. A energia gerada seria quatro vezes maior do que de qualquer das UHEs que estão sendo construídas no Madeira. Isso sem falar na biomassa", explica. Além disso, em UHEs muita gente trabalha por pouco tempo, o que não acontece no caso de energias renováveis, pois é preciso manter a mão de obra em toda a cadeia.
Outros links:
Mapa “Barragens na Amazônia” Vídeos “Defendendo os rios da Amazônia” Petição “Salve o rio Xingu!”

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Belo monte de violências (II)


Artigos de Felício Pontes Jr., procurador da República no Pará e mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC-Rio.
Organizada em nove textos, a série de artigos está sendo publicada semanalmente pelo Diário do Pará aos domingos, no caderno Brasil.

Belo monte de violências (II)

A primeira ação judicial apontando os erros da UHE de Belo Monte durou quatro anos (2001-05), como se viu no artigo anterior. Foi o tempo que o governo federal levou para se conscientizar, após perder em todas as instâncias, de que o projeto não poderia ser executado como previsto: sem o licenciamento ambiental do Ibama e; sem a autorização do Congresso Nacional, já que o projeto afetaria terras indígenas.

Em 2005, já sob o controle petista, o governo federal surpreende a todos com a retomada do projeto. Pediu o licenciamento junto ao Ibama e o Deputado Federal Fernando Ferro, do PT de Pernambuco, apresenta no Congresso uma proposta decreto legislativo que autorizava Belo Monte.

Foi um grande susto, ninguém poderia imaginar que, sob o controle do PT, o projeto poderia ser retomado sem discussão com a sociedade. Em uma reunião com sindicatos de trabalhadores, associações, lideranças indígenas e religiosas, movimento de mulheres, e o MPF, em Altamira, dei a informação do que estava ocorrendo. Notei forte sentimento de indignação. Mais do que isso. Os líderes da sociedade civil mais bem organizada da Amazônia – região da Transamazônica e Xingu – sentiram-se traídos.

Em verdade, a troca no governo federal não promoveu nenhuma mudança significativa no setor de energia. Os principais técnicos da área que a comandavam no governo do Presidente Fernando Henrique eram os mesmo do governo do Presidente Lula.

Nesse mesmo ano de 2005, especialistas do Brasil e de fora lançam um livro que pesa mais de um quilo, sobre os erros de Belo Monte. O livro foi intitulado “Tenotã-Mo – Alertas sobre as Conseqüências de Barramento do Rio Xingu”, organizado por Oswaldo Sevá Filho, da UNICAMP, e editado por Glenn Switkes, de saudosa memória. Tenotã-mo é uma palavra kaiapó que significa aquele que segue na frente.

O livro prova que a capacidade de geração de energia de Belo Monte chegará no máximo a um terço do que propaga o governo. Seu custo é altíssimo, diante da produção irrisória de energia. Alguns meses do ano, Belo Monte ficará parada em virtude da vazão do Xingu no período de seca.

Quando o livro foi lançado em Altamira, eu mesmo entreguei um exemplar à representante da ELETRONORTE. Disse que o governo tinha obrigação de mostrar que tudo aquilo estava errado, que os professores que assinavam os artigos estavam fora de suas faculdades mentais. Ela me disse que eu teria uma resposta logo. Passaram-se cinco anos e a ELETRONORTE jamais mandou uma resposta nem rebateu os cálculos em qualquer revista científica.

A proposta de Decreto Legislativo que autorizaria Belo Monte deveria cumprir o que manda a Constituição do Brasil “O aproveitamento dos recursos hídricos, incluído os potenciais energéticos...em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas...”(art. 231,§ 3º)

Seria a grande oportunidade de debate nacional sobre Belo Monte. Indígenas e cientistas seriam ouvidos. Nada disso aconteceu. Ao contrário, a proposta é aprovada na Câmara e no Senado em tempo recorde: menos de 15 dias úteis. Um dos senadores o chama de “projeto bala”.
O “projeto bala” ocultava com a pressa sua inconstitucionalidade por não ouvir as comunidades afetadas.

Assim, uma segunda ação contra Belo Monte é proposta pelos Procuradores da República no início de 2006. Tentava mostrar que o Decreto Legislativo n° 788/2005 era inconstitucional por não ouvir as comunidades indígenas afetadas. Conseguimos liminar para sustar o processo que, um mês depois, em maio de 2006, foi derrubada. Essa ação teve idas e vindas, paralisando o empreendimento até 2007, quando decisão da então presidente do STF (Ministra Ellen Gracie) suspendeu o entendimento do Tribunal Regional Federal de Brasília (TRF1) e liberou novamente o projeto.

Aguarda-se decisão que, se der razão ao MPF, paralisa todo o processo de Belo Monte e determina que o Congresso Nacional promova audiências públicas para ouvir os indígenas e discutir o projeto. Será o momento do grande debate nacional.

A pergunta no ar é: o que está sendo escondido do povo brasileiro? Por que não houve a audiência com os indígenas? O Decreto que autorizou Belo Monte remeteu essa tarefa para o órgão ambiental, que também não o fez até hoje. 

Hidrelétricas: hecatombe para o Pantanal

Imagem: expatbrazil.wordpress.com

A instalação de um complexo hidrelétrico no Pantanal altera o regime de fluxo das águas, além de toda a base da economia regional, inclusive da Bolívia, Argentina e Paraguai

Por: Patrícia Fachin

Parte da água do Pantanal é alimentada pela sub-bacia do Rio Cuiabá, afluente do Rio Paraguai, o qual “já sofre alterações significativas que ameaçam o equilíbrio do Pantanal”, aponta Telma Monteiro, em entrevista concedida à IHU On-Line por e-mail. Segundo a ambientalista, o projeto de instalação de mais de cem hidrelétricas na Bacia do Alto Paraguai “irá alterar ainda mais as características dos tributários do Rio Cuiabá, que já tem várias barragens”.

Segundo a pesquisadora, a situação do ecossistema já pode ser considerada grave e, em alguns trechos de rios na divisa do Mato Grosso com Mato Grosso do Sul, “já não é mais possível navegar com pequenas embarcações”.

Além de prejuízos ao meio ambiente,
Telma Monteiro menciona que a construção de Pequenas Centrais Hidrelétricas – PCHs nos rios do ecossistema afetará a vida da população local. Agricultores familiares e aqueles que dependem do turismo pesqueiro serão os mais afetados. “Existe um número expressivo de ribeirinhos que vivem da pesca turística. Há, inclusive, um cálculo aproximado que, somente em Corumbá, que é uma cidade de 100 mil habitantes, 15 mil pessoas dependem direta ou indiretamente dessa atividade”, menciona. 
Telma Monteiro é coordenadora de Energia e Infraestrutura Amazônia da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Que aspectos mostram, na sua avaliação, que o Pantanal está ameaçado?

Telma Monteiro -
Observe que parte da água do Pantanal é alimentada pela sub-bacia do rio Cuiabá, afluente do rio Paraguai.  Essa sub-bacia da Bacia do Alto Paraguai já sofre alterações significativas que ameaçam o equilíbrio do Pantanal. Portanto, se o governo planeja instalar mais de cem empreendimentos hidrelétricos nesta bacia, no norte do Mato Grosso, irá alterar ainda mais as características dos tributários do rio Cuiabá, o qual já possui várias barragens. Fica óbvio que isso vai agravar ainda mais o desequilíbrio de uma área úmida de mais de 150. 000 km2. A situação já é grave o suficiente a ponto de haver trechos de rios na divisa de Mato Grosso com Mato Grosso do Sul, em que já não é mais possível navegar com pequenas embarcações e se percebe que a quantidade de peixes está diminuindo e os níveis dos rios sofrem muito mais variações. As Pequenas Centrais Hidrelétricas - PCHs, já em operação, são responsáveis, hoje, por alterações gravíssimas na qualidade das águas e na reprodução dos peixes devido aos obstáculos à piracema.

IHU On-Line - Quais são os principais atores envolvidos na questão dos impactos ambientais da região pantaneira?

Telma Monteiro -
Acredito que quando você fala em atores, entendo que quer dizer aqueles que sofrerão diretamente os impactos da construção desse grande sistema de barragens planejado. Então, podemos mencionar os agricultores familiares e aqueles que sobrevivem do turismo pesqueiro, principalmente. É importante divulgar que existe um número expressivo de ribeirinhos que vivem da pesca turística. Há, inclusive, um cálculo aproximado que, somente em Corumbá, que é uma cidade de 100 mil habitantes, 15 mil pessoas dependem direta ou indiretamente dessa atividade. Toda a economia da região será afetada uma vez que é crescente o número de famílias que depende da pesca turística. Outra atividade que é ignorada nesse caso é a dos coletores de iscas. Aí também o número é difícil de ser calculado, pois envolve Paraguai e Bolívia, e deve ultrapassar 50 mil pessoas. A pesca turística é a atividade que mais gera emprego e renda na região. Populações das cidades também dependem dessa economia se considerarmos hotéis, barcos, etc.

IHU On-Line - Em que região do Pantanal a situação ambiental está mais crítica?

Telma Monteiro -
Um dos pontos mais críticos é no rio Correntes localizado nas divisas dos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. No entanto, hoje, fica patente que os 115 ou 116 barramentos planejados para a Bacia do Alto Paraguai incluirá toda a planície pantaneira em área de risco. Apesar de o Pantanal ser patrimônio da humanidade, não houve preocupação por parte do governo no sentido de evitar uma catástrofe sem precedentes. A construção de PCHs é um grande negócio rentável que usufrui de isenção de impostos e recursos públicos com carência e juros subsidiados.

IHU On-Line - Quais as implicações da instalação de um complexo hidroelétrico no Pantanal, em especial no estado do Mato Grosso?

Telma Monteiro -
Veja que a Bacia Hidrográfica do Alto Paraguai é transfronteiriça. A Bolívia, o Paraguai e a Argentina também compartilham dessa riqueza natural. As ameaças da instalação de um complexo hidrelétrico que, na verdade, será um verdadeiro sistema lacustre, uma sucessão de lagos, irá alterar toda a base da economia regional, inclusive da Bolívia e das regiões a jusante, pertencentes ao Paraguai e à Argentina. Terão consequências certas para o regime de fluxo das águas causadas pela sucessão de barragens. Além do mais, esqueceram de considerar os impactos mais amplamente reconhecidos: os que incidem sobre a migração de organismos. As barragens impedem a migração reprodutiva de peixes causando a diminuição e até a extinção de inúmeras espécies. Eu já afirmei isso em artigo e reforço: será uma verdadeira hecatombe para o bioma do Pantanal. O Mato Grosso já sofre muito com a míngua do regime de inundações dos seus rios. As PCHs em construção estão levando a conflitos sérios com os indígenas que denunciam, com razão, a escassez de peixes e a turbidez das águas. Exemplo disso é a revolta das etnias na região de Aripuanã.

IHU On-Line - Qual é o efeito cumulativo da construção de PCHs no Pantanal?

Telma Monteiro -
Os efeitos cumulativos e sinérgicos de PCHs no regime fluvial dos rios de Mato Grosso têm sido a principal preocupação de ambientalistas, movimentos sociais e Ministério Público. E não é apenas com relação ao Pantanal. Estudos científicos apontam diversos aspectos que não têm sido analisados pelos órgãos ambientais encarregados do licenciamento desses empreendimentos e que não medem de forma adequada os impactos ambientais e sociais decorrentes da pusilânime exploração de potenciais energéticos. Essa questão da construção indiscriminada de PCHs sem os necessários estudos sinérgicos é de grande relevância dada à amplitude territorial de sua localização.

IHU On-Line - Em que consiste, especificamente, o complexo de hidrelétricas Teles Pires? Como a população do Mato Grosso do Sul está se manifestando diante desse empreendimento?

Telma Monteiro -
Na verdade, essa questão do Teles Pires  mereceria uma entrevista especial devido à sua incrível complexidade. Mas vou tentar dar em poucas linhas uma ideia do que ela consiste. Foram inventariados aproveitamentos potenciais na bacia hidrográfica do rio Teles Pires. O governo vem com o discurso rançoso de que fazer hidrelétricas no Teles Pires é importante, estrategicamente, para o atendimento satisfatório das necessidades de desenvolvimento socioeconômico do país. A região que escolheram é constituída por ambientes naturais relativamente preservados e por terras indígenas. São notáveis as peculiaridades dos ecossistemas amazônicos e elas são proporcionais, também, às restrições legais afetas ao meio ambiente e à atuação das organizações em defesa do meio ambiente e da manutenção da biodiversidade. No entanto, o Ministério de Minhas e Energia - MME faz ouvidos moucos e atua no sentido de apoiar a viabilização desses projetos, tentando aliciar representantes de movimentos da região em busca de apoio. As denúncias estão aí, todos sabem disso. O plano é fazer a primeira usina, a UHE Teles Pires, no baixo curso do rio Teles Pires, divisa entre os estados de Mato Grosso e do Pará, no limite a jusante de uma sequência de corredeiras e cachoeiras conhecidas como Sete Quedas, na divisa dos municípios de Jacareacanga, no estado do Pará, e Paranaíta, no estado de Mato Grosso. Como se pode prever e eu até escrevi sobre isso, mais uma Sete Quedas poderá desaparecer no Brasil. Aliás, é uma benção que o país tenha sido presenteado com duas Sete Quedas. A primeira foi destruída com Itaipu e agora estamos na iminência de perder a outra. Mas, voltando ao nosso ponto, o estudo de inventário hidrelétrico da bacia do rio Teles Pires indicou seis aproveitamentos, com uma geração total provável 1.961 MW médios e uma potência instalada de 3.697 MW. Esses aproveitamentos são os seguintes: São Manoel, Teles Pires, Colíder, Sinop, Magessi e Foz do Apiacás. Pode-se ter ideia do que isso significa para a bacia do Teles Pires: outra hecatombe. A proximidade entre as usinas, a distância entre os eixos, é aproximadamente 40 km, o que faz com que os impactos sejam multiplicados e concentrados.

IHU On-Line - O que esses empreendimentos hidrelétricos significam para o país?

Telma Monteiro -
Significa que definitivamente estamos abrindo mão do nosso patrimônio natural, da biodiversidade, em troca da energia elétrica. Segundo dados, a economia do Brasil cresceu 5,4%, e o consumo de energia elétrica aumentou 5,8%. Recentemente li que a projeção do aumento do consumo poderá chegar a mais de 7%. Já se está criando uma justificativa, um ambiente propício para a inserção de termoelétricas, também. Aquelas que o governo disse que poderia dispensar se fossem licenciadas as hidrelétricas na Amazônia. Estou com uma apresentação feita pelo Operador Nacional do Sistema - ONS em que se afirma que as termoelétricas serão, sim, construídas. Porém, em função desses e de outros dados (aumento do consumo), o governo tem feito projeções de consumo de energia. Para atender a isso que ele chama de consumo, mas que é na verdade uma demanda criada artificialmente, há necessidade de acrescentar planos em cima de planos para geração de energia calcada apenas em usinas hidrelétricas em biomas que são verdadeiros tesouros – parafraseando o professor Sevá, sobre o Xingu. O aproveitamento de diversas outras fontes fica comprometido, pois as metas dos planos do governo não priorizam incentivos, para o desenvolvimento em escala, necessários para estimular a indústria de outras tecnologias de geração.

IHU On-Line - Deseja acrescentar algo?

Telma Monteiro -
Sim. Vale refletir sobre o alcance social e a complexidade técnica desses chamados “potenciais hidrelétricos”. Então, estamos chegando a um ponto de onde não se tem mais retorno e isso pede urgentemente uma discussão aprofundada sobre o modelo atual de desenvolvimento. Se chegarmos a esse ponto, estaremos condenando definitivamente os nossos rios, biomas, ecossistemas, sobrevivência das populações tradicionais. Sei que é um discurso batido, desgastado e, para falar a verdade, sinto que as pessoas, na maioria das vezes, me acham chata por insistir nele. Porém, não tenha dúvida, é preciso encontrar eco na sociedade. Não só na sociedade como nos órgãos diretamente relacionados aos processos de licenciamento desses empreendimentos como Ibama, Ministério do Meio Ambiente, Ministério de Minas e Energia, Agência Nacional de Águas, Empresa de Pesquisa Energética e da Secretaria de Recursos Hídricos e inclusive o Conselho Nacional de Recursos Hídricos. Todos eles estão trabalhando da mesma forma como é feito o planejamento de complexos hidrelétricos nos rios brasileiros: sem sinergia. Só para concluir, foi proibida a venda de carvão para siderúrgicas da região do Pantanal. É o maior fator de desmatamento. A medida do carvão foi anunciada na semana passada. Esperemos que seja respeitada!

Leia Mais...

>>
Telma Monteiro já concedeu outras entrevistas à IHU On-Line. Acesso no sítio do IHU (www.ihu.unisinos.br).

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Quatro rios unidos contra as ‘monstro-hidrelétricas. Entrevista especial com Telma Monteiro, publicada em 1-9-2010

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Leilão de Belo Monte: uma armação. Entrevista especial com Telma Monteiro, publicada nas Notícias do Dia 24/4/2010

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As cinco hidrelétricas no Rio Tapajós. ''Nenhum rio, no mundo, suporta isso''. Entrevista especial com Telma Monteiro, publicada em 9-3-2010

domingo, 26 de setembro de 2010

Belo Monte: Procuradores se reúnem com agricultores e ribeirinhos na Volta Grande

Volta Grande do Xingu
área afetada

Procuradores têm encontro com agricultores e ribeirinhos do Xingu afetados por Belo Monte
Famílias relataram ao MPF que técnicos da Norte Energia S/A estão ingressando nas propriedades mesmo sem autorização. Investigação está sendo conduzida em Altamira.

Os procuradores da República Felício Pontes Jr., de Belém, e Cláudio Terre do Amaral, de Altamira, se reuniram na sexta-feira (24/09) com agricultores e com a população ribeirinha da volta grande, local em que um trecho de 100 quilômetros do rio Xingu deve secar com a construção da hidrelétrica de Belo Monte.
Já o ponto onde ocorreu a reunião, também na chamada volta grande, deverá ficar submerso por conta do lago que se formará caso a usina seja construída. Os próprios moradores solicitaram a audiência com os procuradores.
Pontes Jr. e Amaral se reuniram com representantes das cerca de 12 mil famílias que vivem na região, no município de Vitória do Xingu, sobrevivendo da pesca e da agricultura familiar e que ainda não sabem o que acontecerá com suas terras e propriedades se a usina for mesmo construída.
“Ainda falta muito para que a usina se torne uma realidade, mas estamos preocupados com o fato dessas famílias não terem recebido informações concretas sobre o empreendimento”, explica o procurador Felício Pontes Jr.
Os moradores fizeram uma denúncia que vai ser investigada a partir de agora pelo MPF: de que técnicos da Norte Energia S/A estariam entrando nas propriedades de alguns moradores mesmo sem autorização.
Os agricultores também reclamaram da situação dos travessões da rodovia Transamazônica e das dificuldades em manter as crianças na escola: grandes distâncias, falta de merenda e sistema de transporte inexistente.
“O MPF vai cobrar da prefeitura de Vitória do Xingu a solução para a questão da trafegabilidade nos travessões bem como o problema da escola das crianças, já que existem repasses do Fundeb ao município para que eles não passem por essas dificuldades. A educação é direito de todos”, explicou o procurador Cláudio Terre do Amaral.
Outra queixa dos moradores é, justamente, a falta de energia elétrica, apesar da região da volta grande ficar distante apenas cerca de 300 quilômetros da usina de Tucuruí. A companhia distribuidora de energia elétrica já informou aos agricultores e ribeirinhos que o programa Luz para Todos não vai atingir os moradores dos travessões na parte que deverá ser alagada caso a usina seja construída.
Entenda o dilema da volta grande
Cientistas de várias universidades brasileiras, que acompanham o licenciamento de Belo Monte, já batizaram a questão de Dilema da Volta Grande, tamanhas as incertezas sobre a sobrevivência desse trecho do rio e sobre a capacidade de produção energética das barragens. Para esses pesquisadores e para o MPF, está na volta grande o principal nó da viabilidade tanto ambiental quanto econômica da usina hidrelétrica.
A volta grande foi rebatizada pela Eletrobrás de Trecho de Vazão Reduzida, porque pela proposta do empreendimento Belo Monte, a barragem Pimental (a cerca de 10 quilômetros de Altamira), vai liberar quantidade mínima de água para o rio enquanto o resto do volume será desviado para as casas de força.
Pela proposta inicial da Eletrobrás, esse trecho seria irrigado com 4 mil metros cúbicos por segundo em um ano e  8 mil m3/s no seguinte, sempre se alternando. Os técnicos do Ibama consideraram 4 mil m3/s uma quantidade irrisória de água, que poderia comprometer a vida na região. E acabaram por emitir a licença condicionada a um teste: durante seis anos, serão liberados 8 mil m3/s e, ao fim desse período, os danos ambientais serão reavaliados.
Para piorar o cenário para os moradores do Xingu, técnicos do MPF demonstraram que nenhuma das duas fórmulas – nem a do Ibama, nem a da Eletrobrás - condiz com a realidade. Eles analisaram o volume de água do Xingu em uma série histórica de 1971 a 2006. Consideraram que as turbinas só irão gerar energia se, por elas, passarem 14 mil m3/s de água.
Somaram a esse volume os 8 mil m3/s exigidos pelo Ibama para chegar ao volume de 22 mil m3/s, o necessário para conciliar energia e manutenção da vida. O MPF descobriu que, nos 35 anos observados, em 70% do tempo o rio não foi capaz de alcançar esse volume nem na época de maior cheia.
Para o MPF, o dilema é entre pagar um investimento de quase R$ 20 bilhões da sociedade brasileira – que vai financiar o empreendimento e pode não ter energia gerada em quantidade suficiente – e manter a vida na volta grande do Xingu.

Ministério Público Federal no Pará
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quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Belo Monte: a luta dos povos e o desdém do governo

Foto: Telma Monteiro

Nos últimos meses, a batalha contra a instalação da Usina Hidrelétrica (UHE) de Belo Monte tem se intensificado. De um lado, Lula garantiu que o Tribunal Regional Federal (TRF) realizasse o leilão no dia 20/04. O mesmo foi feito sobre a presença de forte aparato policial e com os investidores interessados entrando pela porta lateral da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, com medo dos protestos. Um interdito proibitório impedia manifestações num raio de 1 km do local do leilão. 
O governo desprezou os protestos das comunidades do Rio Xingu e as análises do painel de especialistas e intelectuais; desconsiderou a posição do Ministério Público Federal do Pará; ignorou os pareceres técnicos de servidores do IBAMA e as críticas dos movimentos sociais. 
Durante o início da copa do mundo, Lula visitou Altamira para defender Belo Monte. Para impedir qualquer protesto, escolheu um estádio de futebol para realizar um comício, com público selecionado. No mesmo período cerca de 400 manifestantes, entre moradores de Altamira, agricultores familiares e ribeirinhos, fecharam a rodovia Transamazônica na altura do km 18 no trecho Altamira – Marabá.
Sobre este tema publicamos artigo de Dion Monteiro, integrante do Comitê Metropolitano Xingu Vivo Para Sempre.

BELO MONTE: A LUTA DOS POVOS E O DESDÉM DO GOVERNO

Há mais de 20 anos, comunidades indígenas, pescadores, agricultores, extrativistas, populações urbanas, e outros grupos sociais e econômicos, lutam contra a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu. Após forte pressão social o governo Sarney suspendeu a obra em 1989. Porém, o governo do presidente Lula retomou o projeto em 2005, e agora encaminha a passos largos a construção desta hidrelétrica. Mas por que estes diversos grupos, incluindo ambientalistas e renomados cientistas, lutam há tanto tempo contra esta usina?
Os principais questionamentos feitos por pesquisadores, por moradores da região, e por diversas organizações e movimentos sociais são: nada da energia gerada ficará para as comunidades amazônicas; a energia prometida, de 11 mil MW, só será fornecida durante 4 meses do ano. A média de energia gerada não passará de 4,5 mil MW, o que inviabiliza o projeto economicamente, exigindo a construção de novas barragens, segundo estudiosos da área; mais de 20 mil pessoas serão remanejadas compulsoriamente, porém até hoje não existe indicação dizendo para onde essas pessoas irão; o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) de Belo Monte fala em um reservatório de 516 Km², porém o edital de licitação fala em 668Km², 30% maior que o considerado no estudo; o governo fala que serão gastos aproximadamente 20 bilhões de reais na obra, porém as empresas de engenharia afirmam que o gasto na construção não vai sair por menos de 30 bilhões de reais, colocando novamente em dúvida a efetividade na relação custo-benefício do projeto; o governo estima que 100 mil pessoas migrarão para a região, mas o EIA diz que no pico da obra somente serão gerados aproximadamente 40 mil empregos, entre diretos e indiretos; o governo confirma que 03 terras e áreas indígenas serão afetadas, porém se recusou a realizar as oitivas indígenas, exigidas pela Constituição; a construção da barragem vai fazer com que uma área de 100 Km do rio Xingu tenha a sua vazão reduzida a 30% do normal, afetando a navegação, e a vida de diversas comunidades que dependem do rio.
Até hoje o governo não apresentou resposta a nenhuma dessas questões, preferindo ignorar, desqualificar ou simplesmente tratar com desdém aqueles que têm apresentado esses problemas para o debate. Certamente esta não é a postura que se espera de governantes eleitos para discutir e resolver os problemas postos, a menos que não tenham competência para apresentar as respostas devidas. Esta é a impressão que fica.

Dion Monteiro é economista do IAMAS, e componente do Comitê Metropolitano do Movimento Xingu Vivo para Sempre. Contato: dionmonteiro@yahoo.com.br.

(Artigo publicado na edição de agosto do jornal do SINTSEP-PA. Disponível na versão digitalizada do jornal: http://issuu.com/sintsep/docs/jornal_sintsep_agosto)

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Belo monte de violências (I)


Belo monte de violências


Artigos de Felício Pontes Jr., procurador da República no Pará e mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC-Rio.
Organizada em nove textos, a série de artigos está sendo publicada semanalmente pelo Diário do Pará aos domingos, no caderno Brasil.
 Inaugura-se aqui uma série de nove artigos – um por semana – que têm o objetivo de informar a razão pela qual o Ministério Público Federal ingressou com nove ações judiciais em dez anos de trabalho no projeto da Hidrelétrica de Belo Monte.


No ano 2000 houve um encontro de procuradores da República com os indígenas do Xingu. Representantes do povo Juruna, da Volta Grande do Xingu, disseram que encontraram nas margens do rio várias tábuas com números gravados. Eram réguas de medição. Estavam assustados. Temiam que fosse mais uma tentativa de construir uma barragem no Xingu. A lembrança do I Encontro dos Povos Indígenas do Xingu em 1989, quando a índia Kaiapó Tuíra passou o facão no rosto de um dirigente da ELETRONORTE, ainda estava nítida.

Imediatamente começamos a investigação. Os estudos já estavam em grau avançado. Mandamos a mensagem aos índios de que a régua significava exatamente o que eles temiam: a retomada pelo governo do projeto de construir uma barragem no rio Xingu. Eles responderam com a uma carta encarada como profecia. Dizia “nós, índios Juruna, da Comunidade Paquiçamba, nos sentimos preocupados com a construção da Hidrelétrica de Belo Monte. Porque vamos ficar sem recursos de transporte, pois onde vivemos vamos ser prejudicados porque a água do Rio vai diminuir como a caça, vai aumentar a praga de carapanã com a baixa do rio, aumentando o número de malária, também a floresta vai sentir muito com o problema da seca e a mudança dos cursos dos rios e igarapés ... Nossos parentes Kaiapó, Xypaia, Tembé, Maitapu, Arapium,Tupinambá, Cara-Preta, Xicrin, Assurini, Munduruku, Suruí, Guarani, Amanayé, Atikum, Kuruaya ... vão apoiar a Comunidade ...”


Tudo estava sendo feito contra a Constituição, a começar pela falta de consulta dos indígenas pelo Congresso Nacional antes de tudo se iniciar. É o que determina o artigo 231, §3º, da Constituição: “O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos... em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas...”


Seria momento do grande debate. Deputados e senadores ouviriam indígenas, outras comunidades afetadas e especialistas para sopesar os impactos positivos e negativos, o polêmic sobre a energia a ser gerada e, assim, autorizá-la ou não. Mas o governo ignorou tudo.


Havia problema também quanto ao local do licenciamento, a hoje Secretaria de Estado de Meio Ambiente – SEMA. O rio Xingu é um rio federal. Ele nasce no leste do Estado do Mato Grosso. Após percorrer aproximadamente 2.100 quilômetros, deságua no rio Amazonas, no Pará. Em se tratando de um rio federal, e ainda por banhar terra indígena, seu licenciamento somente pode ser realizado pelo IBAMA, nunca por um órgão estadual, como estava sendo feito.


Mas não era tudo. Com a ajuda de técnicos, como antropólogos e biólogos do MPF, descobriu-se também que havia incompatibilidade entre os cronogramas da ELETRONORTE e do Estudo de Impacto Ambiental e seu relatório (EIA/RIMA). O término de uma das viagens de pesquisa estava previsto para novembro de 2001, mas o EIA/RIMA estaria pronto 8 meses antes, em março de 2001. Como pode o Estudo de Impacto Ambiental estar pronto antes do estudo de campo ser concluído? Para que tanta pressa no licenciamento de uma das obras mais caras do Brasil?


E mais. A ELETRONORTE contratou a FADESP – Fundação de Amparo e Desenvolvimento da Pesquisa, para a elaboração do EIA/RIMA, sem licitação, ao preço de R$ 3.835.532,00. O resultado jamais foi mostrado ao público.


O Termo de Referência do empreendimento, que determina o conteúdo do EIA/RIMA, não contou com a participação do IPHAN – INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL, apesar da área de incidência direta da obra abrigar sítios arqueológicos.


Diante de tantas ilegalidades, não restou outra alternativa senão entrar com uma ação civil pública ambiental em maio de 2001. A Justiça Federal determinou a paralisação de tudo. Em sua decisão, o Juiz Federal Rubens Rollo D´Oliveira declara que “o desvio projetado na Volta Grande do Xingu atinge em cheio a área indígena JURUNA (Paquiçamba), e dizem os estudos da ELETRONORTE, parte da cidade de Altamira/PA, com reflexos ambientais e sociais de monta, a exigir a mais perfeita elaboração do estudo de impacto ambiental e social.”


O governo federal recorre ao Tribunal Regional Federal em Brasília, e perde. Recorre ao Supremo Tribunal Federal, e perde novamente. Na decisão, o Ministro Marco Aurélio sentencia que o licenciamento de Belo Monte, da forma que estava sendo realizado, contraria a Constituição. É necessário autorização do Congresso Nacional e que sejam ouvidas por ele as comunidades indígenas.


A primeira batalha estava vencida, mas a pergunta ficou no ar: o que estão escondendo em Belo Monte que não pode ser revelado para a sociedade brasileira?

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Belo Monte: Governo Federal tenta aprovar projetos sem ouvir a sociedade


Governo federal marcou para amanhã (22) em Belém reunião para decidir como gastar R$ 500 milhões previstos para obras de infraestrutura em Altamira. Ninguém da sociedade civil da região do Xingu, nem aqueles  que seriam mais atingidos pela obra foram convidados. 
O Governo Federal, através da Casa Civil, marcou para amanhã uma reunião com o Governo do Pará sobre a usina de Belo Monte. Ninguém da sociedade civil – empresários ou movimentos sociais – foi convidado.

Apesar do segredo que cerca o encontro, na pauta consta, inclusive, a aprovação de como vão ser destinados os R$ 500 milhões destinados à estruturação das áreas atingidas pela hidrelétrica.

Participarão da reunião apenas os integrantes do Grupo de Trabalho Intergovernamental que foi criado para preparar o Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável do Xingu, que em tese vai definir as políticas para amortecer os graves impactos das barragens de Belo Monte.

Marquinho Mota, do Comitê Metropolitano Xingu Vivo para Sempre, opositor da barragem, demonstra indignação com a reunião às escondidas.

"Como o governo pode definir o nosso futuro sem chamar ninguém da sociedade? Ninguém da sociedade em Altamira, Belém ou nos outros municípios afetados foi sequer consultado sobre esse plano de desenvolvimento nem convidado para essa reunião. É mais uma tentativa de fazer tudo na surdina, ignorando a vontade dos paraenses."

A pauta da reunião vazou para moradores de Altamira: vai aprovar o documento final do “PRDS Xingu, incluindo cenários demográfico e econômico”; definir “critérios para destinação dos recursos previstos no edital de Belo Monte”; e avaliar os Projetos Básicos Ambientais para a usina.

O documento é assinado por um assessor da Casa Civil da Presidência da República, Fernando Beltrão e informa que a reunião será amanhã (22/09), às 9h, no Auditório do Centro Integrado de Governo do Pará, na capital Belém. Contactado por representantes da sociedade civil  hoje (21/09), Fernando Beltrão preferiu não se pronunciar.

Antônia Melo, moradora de Altamira e uma das lideranças do Movimento Xingu Vivo Para Sempre, considera suspeito um encontro secreto para tratar de um assunto que tem tantos interessados. "É um absurdo a falta de  respeito e transparência do governo que esta virando a mesa da democracia,  com ações autoritárias, demonstrando claramente a violação dos direitos humanos  e socioambientais. Esse mesmo governo tem alardeado no Brasil e mundo
afora  que é democrático mas este é mais um exemplo de sua prática demagógica".

A falta de participação da sociedade virou uma marca desse empreendimento Belo Monte. Os indígenas não foram ouvidos no Congresso Nacional como manda a Constituição, as audiências públicas foram insuficientes e mal-feitas, o leilão foi cheio de mistérios, o financiamento seria privado, passou a ser público e ninguém sabe
explicar como isso aconteceu. Agora, querem resolver os impactos ambientais em reunião fechada sem a participação justamente de quem vai ser impactado.

Abaixo o convite que vazou.

PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA
CASA CIVIL
Grupo Executivo Intergovernamental - Decreto de 19 de novembro de 2009
        Prezados senhores,
        Cumprimentando-os,  faço referência ao Decreto de 19 de novembro de 2009, que instituiu Grupo de Trabalho Intergovernamental com o objetivo de concluir o Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável - PDRS do Xingu, para convidá-los a participar de reunião no dia 22 de setembro do corrente, a partir das 9h, no auditório do Centro Integrado de Governo - CIG, localizado na Avenida Nazaré, 871, Bairro Nazaré, Belém/PA, com a seguinte pauta:
        1. aprovação do documento final - PDRS do Xingu, incluindo o capítulo de cenários demográfico e econômico;
        2. critérios para a destinação dos recursos financeiro previstos no edital de Belo Monte (R$500.000.000,00);
        3. avaliação dos Projetos Básicos Ambientais - PBAs; e
        4. assuntos gerais.
Atenciosamente,
Fernando Beltrão
SAG/Casa Civil - PR

Belo Monte: organizações enviam notificação extrajudicial ao Banco do Brasil


Mais de 100 organizações da sociedade civil brasileira e internacional enviaram uma notificação extrajudicial ao Banco do Brasil nesta segunda-feira (20), cobrando que o banco não financie a usina hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu (PA).
Foto: bicodocorvo.com.br
O documento levanta os diversos problemas socioambientais e de direitos humanos que a usina de Belo Monte deve causar, como impactos na qualidade da água ou a seca que a usina causará na Volta Grande do Xingu, onde vivem centenas de famílias que dependem do rio para sobreviver, além de problemas no processo de licenciamento da usina.
Segundo Roland Widmer, coordenador de Eco-Finanças da organização Amigos da Terra - Amazônia Brasileira, o projeto atual de Belo Monte violaria a Constituição, que reconhece aos índios os direitos originários sobre as terras que ocupam, inclusive as utilizadas para suas atividades produtivas.
"Quem financiar Belo Monte se tornará, automaticamente, responsável solidariamente por todos os danos ambientais que vierem a ocorrer.  [Se danos vierem a ocorrer,] os financiadores poderão ser responsabilizados por todos os custos decorrentes dos impactos sobre a fauna, flora e pessoas da região.  Além disso, a reputação dos financiadores sofrerá grandes danos.  Seria muito imprudente para uma instituição como o Banco do Brasil assumir tamanhos riscos.  Diante disso, quero acreditar que o BB pondere esses riscos devidamente na sua tomada de decisão e não financie Belo Monte", diz Widmer.
A notificação ressalta que o Banco do Brasil assinou compromissos voluntários pelo desenvolvimento sustentável e preservação ambiental, como o Protocolo Verde e os Princípios do Equador, e o financiamento de Belo Monte não respeitaria os critérios de nenhum desses compromissos.
Além da Amigos da Terra - Amazônia Brasileira, aderiram à notificação organizações como Greenpeace, Movimento Xingu Vivo para Sempre, International Rivers, Instituto Socioambiental (ISA), Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé e BankTrack, entre as mais de 100 organizações e grupos.
Financiamento do BB
No dia 10 de setembro, uma reportagem publicada no jornal Valor Econômico afirmou que o Banco do Brasil seria, junto com o BNDES, o grande financiador de Belo Monte.
Segundo fontes ligadas ao consórcio que vai construir a usina, o BNDES havia se comprometido a financiar 80% do total da obra, mas pelas regras do Acordo de Basiléia não pode emprestar diretamente mais do que R$ 14,5 bilhões.  O Banco do Brasil teria se comprometido a completar os R$ 20 bilhões estimados para o financiamento da usina, emprestando R$ 5,5 bilhões.
No dia 13 de setembro, o Banco do Brasil afirmou, por sua assessoria de imprensa, que não existe, até o momento, qualquer proposta de financiamento da usina hidrelétrica de Belo Monte sob análise, ou operações já realizadas com o consórcio de construção da usina.
"Como participante de grandes operações de investimento, o Banco do Brasil acompanha com interesse o projeto, e pode eventualmente analisar futuras propostas.  Entretanto, nenhuma solicitação foi protocolada no banco, não existem análises técnicas em curso e nenhuma decisão foi tomada sobre financiamentos concedidos a empresa concessionária", diz a nota emitida pela assessoria do banco.
Veja também as notificações enviadas aos Fundos de Pensão e ao BNDES

Ferrogrão – soja no coração da Amazônia

Estudo Preliminar 3 - Ferrogrão e a Soja na Amazônia                                                        Imagem: Brasil de Fato   ...