terça-feira, 27 de março de 2012

Santo Antônio e Jirau: Hidrelétricas Malditas


Obras da UHE Jirau, dezembro 2011  - Fotos de Minplanpac
Telma Monteiro

Em 2001 teve início a saga "Complexo Hidrelétrico do Madeira". Do projeto idealizado inicialmente pela Construtora Norberto Odebrecht (CNO) constavam duas hidrelétricas, eclusas para navegação e um grande sistema de transmissão para levar a energia ao Sudeste. Furnas Centrais Elétricas foi convidada a participar do projeto, em 09 de janeiro de 2003, depois de uma reunião dos representantes da Odebrecht com o Ministério do Planejamento. O governo Lula, recém empossado, encampou o complexo que passou a ser apresentado a autoridades, instituições e organizações  do Brasil e dos países vizinhos.
Os estudos de inventário e os estudos de viabilidade técnica e econômica foram feitos por Furnas e Odebrecht. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aprovou e o Ibama foi o órgão licenciador que emitiu a versão final do Termo de Referência, em setembro de 2004. Os empreendimentos deveriam ser tratados como um complexo e os estudos ambientais desenvolvidos de forma conjunta. Mais tarde, as eclusas foram excluídas e o sistema de transmissão licenciado separadamente, a pedido de Furnas.
Os desenvolvedores optaram por escolher as turbinas tipo bulbo para gerar energia, baseados no regime hidrológico do rio Madeira. Segundo eles, essas turbinas serviriam em baixas quedas, mas com uma vazão regular para que operasse sem restrições no rio Madeira.
Na época, Furnas e Odebrecht, defensores das turbinas tipo bulbo, argumentarm que a tecnologia era plenamente dominada pela indústria nacional. A usina de Tadami, no Japão, foi citada como referência, pois as turbinas teriam as mesmas características de capacidade individual, próxima a 70 MW.
As 44 (esse era o número no projeto original) turbinas do tipo bulbo, nas dimensões previstas, para gerar energia na UHE Santo Antônio e as outras 44 em Jirau, ainda, são inéditas no parque gerador brasileiro e no mundo. Na usina de Tadami, no Japão, foi utilizada, em 1989, apenas uma única turbina, num rio plácido, de águas transparentes e com características completamente diferentes de um rio amazônico e indomável como o rio Madeira.
Usina Tadami, Japão
As outras experiências mundiais com turbinas do tipo bulbo estão listadas no quadro abaixo:
Tabela que consta no Estudo de Viabilidade da UHE Santo Antônio 
Nenhuma delas, no entanto, atinge a vazão unitária de 561 m³/s ou tem o diâmetro do rotor de 8,15 m como as turbinas planejadas para as usinas do Madeira.  Seria inédito, um tiro no escuro e mesmo sem estudos conclusivos, três fabricantes garantiram que funcionariam.  Pelo menos essa conclusão foi descrita no capítulo 14 dos estudos de viabilidade (2004) da UHE Santo Antônio.
O Grupo Industrial do Complexo RioMadeira (GICOM), responsável pelo fornecimento de equipamentos eletromecânicos para a obra, tem 32,3% do  Consórcio Construtor Santo Antônio (CCSA). O Gicom é formado pelas empresas Alstom, Andritz, Areva, Bardella, Siemens e Voith. 
O teste da turbina que não deu certo
Tudo estava preparado, em dezembro de 2011, para o teste de performance da primeira turbina tibo bulbo da UHE Santo Antônio. Conta-se que a presidente Dilma Rousseff e o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, estariam presentes para a inauguração da unidade geradora bulbo.
Alguma coisa, porém, não deu certo.  Já na terceira tentativa o funcionamento ou teste acabou ficando para janeiro de 2012. Também não deu certo. Informações dadas pelos responsáveis atribuiram a um defeito do mancal (suporte da turbina) que empenou e não deu conta do recado.  Muito estranho, pois com um time de primeira linha como o grupo Alstom, Andritz, Areva, Bardella, Siemens e Voith, dificilmente se esperaria problemas técnicos. Mas c'est la vie!
O teste foi então transferido para março de 2012, e até hoje (27) nada foi definido.  Outras informações, não oficiais, vindas do canteiro de obras, atribuem os problemas à vazão do rio Madeira e aos sedimentos que teriam danificado o rotor.  
Consórcio Construtor Santo Antônio certamente vai resolver os problemas que possam afetar o funcionamento da usina. A sociedade espera ansiosa, pois o custo social e ambiental decorrente das obras já está muito além daquilo que foi prometido ou licenciado no governo Lula. E Dilma acabou de assinar uma MP, alterando limites de Unidades de Conservação em Rondônia, para acomodar o reservatório da UHE Santo Antônio.
No final de 2006, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) contratou a consultoria de Sultan Alam (International Hidropower Association) um especialista internacional em sedimentos.  Em seu relatório (página 46) ele deixou a seguinte observação:
"Em um Projeto Hidrológico de Queda Baixa [hidrelétrica Santo Antônio, no rio Madeira], a malha de ar arrastado entra diretamente na câmara do rotor [da turbina] causando violenta flutuação de pressão resultando em grave vibração das turbinas e das estruturas da usina. Por isso, é recomendado que modificações estruturais adequadas que eliminariam ou atenuariam essa formação de turbilhões sejam desenvolvidas usando um modelo físico em 3D adequado." (grifo TM)

A destruição das margens do rio Madeira
No início de 2012 ficou evidente que havia algo muito errado com as obras da usina de Santo Antônio. A abertura das comportas criou um aumento da força das águas contra as margens do rio Madeira. O desbarrancamento acelerado da margem direita, que recebe diretamente a força das águas que passam pelos vertedouros, destruiu moradias e desalojou  dezenas de ribeirinhos. Um vídeo mostrou a formação de ondas provocadas pela força das águas na passagem pelas comportas.
No início, os representantes do Consórcio Construtor Santo Antônio (CCSA) -  Odebrecht Engenharia e Construção (líder); Consórcio Santo Antônio Civil (CSAC), formado pelas Construtoras Norberto Odebrecht e Andrade Gutierrez; e Grupo Industrial do Complexo Rio Madeira (Gicom) – tentaram se eximir da culpa. Depois iniciaram um trabalho de proteção das margens, com pedras, para evitar o progresso da erosão.
A Justiça, provocada por ações dos ministérios públicos de Rondônia, obrigou o consórcio a fazer as mudanças e hospedar em hotéis os desalojados do bairro Triângulo, o mais atingido. O problema continua sem solução e pode ter sido causado por alterações no projeto construtivo.
Quando o especialista internacional Sultan Alam foi contratado pela Aneel para acabar com as dúvidas sobre a vida útil e o assoreamento dos reservatórios das usinas, ele fez algumas considerações sobre o projeto da UHE Santo Antônio. Recomendou e desenhou um arranjo melhor das estruturas, que está em seu relatório, que pouparia recursos e problemas futuros a jusante.
O projeto de engenharia da UHE Santo Antônio parece confuso. Há três versões diferentes do desenho das estruturas da barragem e a que está sendo construída pode ser responsável pelos impactos de destruição da margem direita do rio Madeira.
Profissionais da área, que não quiseram ser identificados, apostam que o problema é do atrito dos sedimentos e vibração nas turbinas.  Também sugeriram que a alteração na posição do eixo do barramento se deu para que mais turbinas pudessem ser adicionadas.
Imagem Google earth
Agora as hidrelétricas Santo Antônio e Jirau estão, mais uma vez, paralisadas pela greve de trabalhadores. As greves, violência e destruição têm sido uma rotina nas hidrelétricas em construção no rio Madeira.  
Os impactos socioambientais se acumulam nas Hidrelétricas Malditas. 

terça-feira, 20 de março de 2012

Termo de Referência da UHE São Luiz do Tapajós

Telma Monteiro


O Ibama disponibilizou no seu site um novo Termo de Referência (TR) da UHE São Luiz do Tapajós, no rio Tapajós. Em 02 de março de 2012 eu postei o artigo Rio Tapajós: derradeiro peão no tabuleiro de xadrez da Amazônia que questionou o TR, elaborado pelo empreendedor, que estava na página de acompanhamento do processo do Ibama.


Hoje tive duas surpresas: a primeira foi que a postagem recebeu ontem (19/03) quatro comentários anônimos que criticam o meu texto e argumentam que o TR de janeiro era apenas uma minuta; a segunda surpresa é que o Ibama enviou também ontem (19/03) por Email um aviso automático de acompanhamento para novos documentos do processo de licenciamento da UHE São Luiz do Tapajós.


Pois bem, quando postei o artigo, em março, inseri a imagem da tela em que constam os documentos - total de seis - entre os dias 18 de janeiro e 27 de fevereiro de 2012. Nela (ver imagem abaixo) não há mais nenhum outro documento de fevereiro de 2012, e já estávamos em março.

Imagem da tela do Ibama em 02 de março de 2012

Depois de receber o aviso automático de acompanhamento do processo de licenciamento da UHE São Luiz do Tapajós, fui conferir as novas postagens. 

E voilà

Dois novos documentos que são, nada mais nada menos, um novo Termo de Referência agora elaborado pelo Ibama e os Anexos. Chama a atenção o fato de que esses novos documentos tenham sido inseridos no dia 19 de fevereiro. Até ontem, 19 de março, às 17h47, eles não estavam disponíveis no site do Ibama. 

Imagem da tela do Ibama em 19 de março de 2012

segunda-feira, 19 de março de 2012

O golpe da venda de créditos de carbono


O contrato de venda de carbono (REDD) assinado por alguns indígenas da etnia Munduruku com a empresa irlandesa Celestial Green pôs em evidência uma discussão até então marginalizada.  Sobre esse assunto leia Empresa irlandesa compra direitos sobre créditos de carbono dos índios Munduruku, no Pará 

Vídeo da reunião entre os Munduruku e o diretor da Celestial Green Ventures em 12 de setembro de 2012, na Câmara Municipal de Jacareacanga, Pará. Fonte do vídeo: Blog Junior Ribeiro

Telma Monteiro

O golpe da Celestial Green

Ciaran Kelly, CEO da Celestial Green é um gênio do ilusionismo. Tem sob sua única responsabilidade e direção mais de 14 empresas, quase todas registradas no mesmo endereço. Segundo artigo intitulado  CelestialGreen Ventures’ contracts are “not valid”, says Brazil’s National IndianFoundation, FUNAI, do dia 15 de março, no Climate Connections, o caso dos Munduruku é parte de um golpe.

O texto não só lista várias empresas de Ciaran Kelly, com seus respectivos links, como reproduz parte do documento entregue pela Celestial Green à US Security and Exchange Commission (SEC), o órgão americano equivalente à nossa Comissão de Valores Mobiliários. Esse documento descreve o "Projeto Rondônia" da Celestial Green, que comercializaria um total de 6 milhões de créditos de carbono em 30 anos, com receitas potenciais de US$ 32 bilhões, dos quais a empresa teria 10%. Isso transformaria a empresa em líder mundial de créditos de carbono.

Estranhamente esses créditos de carbono seriam gerados em áreas de propriedade da Celestial Green ou em outras sobre as quais ela teria algum tipo de direito. O texto cita um total de 15 milhões de hectares. A terra dos Munduruku tem mais de 2 milhões de hectares. Proporcionalmente, renderiam  mais de US$4 bilhões e não os US$ 120 milhões que constam no contrato assinado.

A validação desses créditos de carbono seria feita por uma empresa que tem o mesmo endereço, na Inglaterra, de outras companhias de propriedade de Ciaran Kelly.

Ainda sobre a Celestial Green

A trajetória da Celestial Green ou Celestial Green Ventures ou ainda Celestial Green Investments Limited e do seu mentor Ciaran Kelly no Brasil mostra, entre outras coisas, a cooptação de parceiros entre as organizaçãos  brasileiras.  As páginas da Celestial na Internet ficaram indisponíveis depois da reportagem dos jornalistas da Pública, mas como estou acompanhando o assunto desde quando o denunciei em setembro do ano passado, salvei todo o conteúdo do site.

No último acesso que fiz à página da Celestial Green Ventures em 14 de fevereiro de 2012, o conteúdo permanecia igual ao de 19 de setembro de 2011.  A empresa divulgou as alianças estratégicas construídas com indíviduos e organizações brasileiras.  


O Centro Brasileiro para Conservação da Natureza e Desenvolvimento Sustentável (CBCN) se classifica como uma entidade ambientalista, de base tecnológica, fundada em 1967, e a primeira ONG mineira e quarta no Brasil. O CBCN tem entre suas associadas a Gaia Energia e Participações, do grupo Bertin. A Gaia é uma das empresas que integrava o consórcio que arrematou o leilão de Belo Monte. 

Outras empresas associadas ao CBCN - "parceira estratégica" da Celestial Green - estão ligadas às monoculturas de reflorestamento, como a Lippel. Mas não para por aí, pois os critérios para escolher parceiros da Celestial Green são mais que questionáveis, em se tratando de um conceito que visa proteger a floresta e a biodiversidade, comprando "direitos" sobre terras indígenas.  

A Renabio, empresa do Paraná voltada também para produção de biomassa através de produção adensada de eucalipto, é outra instituição "parceira estratégica" mencionada no endereço eletrônico tirado do ar. A Renabio também consta como associada do CBCN. A Amazonia Livre, por exemplo, exibe a parceria com a Celestial Green na sua página da Internet (atualmente retirada do ar).

A Feama (já citada na matéria da Pública), por exemplo, é autora de um interessante certificado em inglês, de 2010, assinado por Ciaran Kelly,  João Borges Andrade (diretor regional daCelestial no Brasil), Dieter Huhn (diretor financeiro) e pelo presidente dainstituição Romeu Cordeiro da Silva. O documento, para consumo externo, indica a Celestial Green e seus diretores como parceiros nos projetos ambientais e atesta que a Feama é uma organização apoiada pelo governo brasileiro e pelos governos dos estados brasileiros da Amazônia.

Outras parcerias da Celestial Green, como o Instituto Náutico Brasileiro (Inabra), Instituto Acquavita e Agroflor constavam do site.  Conversei por telefone com o presidente do Instituto Acquavita, Tarso Mugnai Marraccini, que disse desconhecer a parceria e com o diretor Paulo Matsuoka, também por telefone, que admitiu ter encontrado o português  João Borges Andrade.  

Os fatos, contados pelos Muduruku

Recebi pelo Facebook um excelente depoimento de L Sousa Kuruaí, mulher Munduruku, sobre os fatos que culminaram com a assinatura do contrato com a Celestial Green:

"Emboras o tal contrato não tenha mesmo validade jurídica e espero q o mesmo seja realmente invesitgado e legalizado se for o caso, mas um caso q venha beneficiar os MDk em alguma goisa boa é claro. Mas posso afirmar q muitos argumentos que está existindo não é verdade por parte de quem não estava no dia da reunião muitas coisas das quais dizem q foi proibido isto não foi falado famais. Não estou a favor da referida empresa, mas, não posso concordar com quem não participou desse momento para afirmar que tais coisas foram realmente faladas ou proibidas. A nação Munduruku não assinou e nem concordou com referente contrato. E sim alguns espertinhos que se quer sem consultar um procurador ou um advogado achou que esta ideia era boa enrte eles e não para toda a nação MDK. E com isso pega para a nação inteira sendo que a maioria dos MDK não estaõ sabendo disso.

Gostaria muito mesmo de poder esclarecer algo refernete a este aspecto. Pois este é um caso q realmente a maioria da sociedade Munduruku não está sabendo. No q se refere a assinatura do contrato na quela tarde em que foi assinado ñ tinha ninguém além dos 10 Mdk, de mim, meu esposo e os estrangeiros e demais acompanhantes. É por isso q estou falando pelos Mdk. Pena q estou em Itb. Vale ressaltar que muitas aldeias Mdk não estão sabendo deste fato que está ocorrenendo até porque na manhã daquele dia entre todos que ali estavam presente nada foi concordado e portanto, nem assinado. O tal contrato foi assinado a tarde e em outro lugar onde se encontravam hospedados os estrangeiros. O que foi uma grande surpresa para mim pq trairam a decisão dos caciques. Acho que este caso deve ser verificado e conversado com a nação Munduruku e com os que comprometeram a Nação.

Então. Seria muito importante que escutassem novamente todos os Mdk, q naquela manhã ali estavam. Para então repetir o que os estrangeiros e seus guias falaram ao povo Mdk sobre o crédito de carbono. Eu afirmo com toda certeza que os guerreiros, caciques e os demais q residem dentro das aldeias não deram chance para os estrangeiro tanto expor suas propostas pq os Mdk q ali se encontravam presentes (câmara) estavam desconfiados e entendendo q além das UHs este fato era mais um que estavam a fazer sentirem-se mais ameaçados do já estão. E por isto, por decisão acharam melhor encerrar a reunião mais não assinar contrato algum e nem aceitar a presença destes estranhos em seus territórios. Foi ai q os espertinhos entenderam q este era um aspecto q iria favorecer algo para eles só entre eles e que ninguém iria saber. 

Quando me chegou a surpresa, naquela tarde, aproveitei o convite sem q ningué desconfiasse de nada uma vez que eu estava coletando dados monográficos nas aldeias, procurei saber e avisei, q esse era um fato muito esquisito, pq tudo aconteceu muito rápido, cheguei até falar que alguém dissesse ñ a essa ideia (contrato) e aos enteressados pq os caciques já tinham decidido e dado por fim essa história. Tentei alertar q não era para assinarem sem a consulta de um procurador(MP) ou advogado pq ñ se assina nenhum tipo de contrato sem ter um conhecimento claro sobre o mesmo.Pena q ~m quiseram me ouvir pq acharam esse fato ñ ia explodir.

Quanto as propstas falaram muito bonito na hora d convencer a assinarem o ctto, porém é claro apenas da boca para fora.Eu defendo a sociedade indígena Munduruku pq não foram as 106 aldeias q aceitaram esse ctto.Isso foi feito as escondidas e assim estão comprometendo a nação inteira.Contudo,desejo que esse caso seja resolvido da melhor maneira possível gostaria q esse fato fosse revisto.

Finalmente, concordo plenamente com vc sobre a investigação da referida empresa. E espero q a mesma seja desmascarada de uma vez por todas e mostrada a público. Pq eu desconfiei desda hora q percebi algo estranho sobre eles pq só procuram aqueles q em seus olhos perceberam q era fácil convencer. Tanto, q ouvi pessoa q comigo estava também colhindo dados monográficos q chegou a dirigir perguntas interessantes a eles e eles ñ deram atenção apenas perguntaram se ele era estudante. E aí realmente fora os dez Mdk a maioria são cândidas sobre este contexto."

Em outro post Sociedade Munduruku do AltoTapajós, L Sousa Kuruaí  faz outro depoimento muito importante.  

MP pede suspensão do licenciamento e obras da usina de Teles Pires por falta de consulta a indígenas


Imagem: Exame
Apesar de o projeto impactar agressivamente as fontes de sobrevivência socioeconômica e cultural indígena, Constituição foi ignorada

O Ministério Público do Estado do Mato Grosso (MP/MT), o Ministério Público Federal no Pará (MPF/PA) e no MT (MPF/MT) ajuizaram na última sexta-feira, 16 de março, a quarta ação por irregularidades no licenciamento ambiental da usina hidrelétrica de Teles Pires, uma das seis barragens previstas para o rio de mesmo nome, que fica entre os dois Estados.

sexta-feira, 9 de março de 2012

Empresa irlandesa compra direitos sobre créditos de carbono dos índios Munduruku, no Pará


Por Natalia Viana, Ana Aranha, Jessica Mota e Carlos Arthur França

Empresa irlandesa compra direitos sobre créditos de carbono dos índios Munduruku, no Pará, em reunião controversa; contrato investigado pelo Ministério Público valeria por 30 anos. A Funai foi deixada de fora

vídeo promocional da empresa Celestial Green Ventures – “verde celestial”, em português – traz imagens de uma reunião em uma localidade não identificada, na Amazônia. Em meio a fotos, com fundo musical, o irlandês Ciaran Kelly, CEO, explica: “Nós sentamos com a comunidade local, há uma discussão muito aberta, dizemos o que temos que fazer, quais são as suas responsabilidades e as nossas. Se concordamos, prosseguimos”.

Presidente do Ibama desconsiderou recomendação da equipe técnica sobre impactos da usina de Santo Antônio



"Adicionalmente, no decorrer das análises, são apresentadas diversas recomendações específicas aos programas. Na sua grande maioria, são acréscimos identificados por esta equipe técnica, em termos de abordagens metodológicas e ou ações propostas para melhoria do documento em apreço. Estas recomendações, se tratadas isoladamente, podem não configurar impeditivos graves a emissão da licença requerida, mas, no contexto geral, elas são numerosas e expõem uma certa insipiência do PBA frente ao conjunto de impactos levantados na fase de licenciamento prévio.
Diante das considerações aqui expostas, recomenda-se a não concessão da Licença de Instalação ao aproveitamento hidrelétrico de Santo Antônio, pleiteada pelo Consórcio Madeira Energia S.A."

Telma Monteiro

O texto acima foi extraido da conclusão do documento intitulado "Análise da solicitação da emissão daLicença de Instalação do Aproveitamento Hidrelétrico de Santo Antônio" datado de 08 de Agosto de 2008, emitida pela equipe técnica do Ibama. O parecer analisou as informações do Projeto Básico Ambiental (PBA) e incluiu a avaliação do cumprimento das condicionantes específicas contidas na Licença Prévia (LP), concedida pelo Ibama em dezembro de 2007.

Das condicionantes da LP, no total de 30, treze não tinham sido atendidas ou o foram parcialmente. Apesar das reuniões técnicas de emergência realizadas pelos técnicos, aspectos importantes foram desconsiderados pelo PBA, tais como o efeito de remanso e o imprevisível perímetro do reservatório. Havia necessidade de reformar o conteúdo do PBA e proceder a uma avaliação sinérgica dos impactos que hoje se apresentam e que confirmam as preocupações da equipe técnica na ocasião.

Para que a LI pudesse ser concedida a equipe técnica entendia ser imprescindível comprovar no PBA, na forma de detalhamento das ações que deveriam ser executadas, o atendimento às condicionantes da LP.  No entanto, o PBA não atendeu aos requisitos e preceitos necessários para compensar os impactos diagnosticados no EIA e nem os demais apontados pelos especialistas e que deveriam ser objeto de programas e ações mitigadoras.

A usina de Santo Antônio, hoje, é uma lição muito dura para a sociedade, pois mostra as duras consequências de uma LI concedida sem o atendimento das medidas mitigadoras e sem o completo diagnóstico dos impactos sociais e ambientais. Porto Velho está sob um "tsunami" de impactos causados por negligência e descumprimento das condicionantes das licenças ambientais.

Na época, o então presidente do Ibama, Roberto Messias Franco, sem justificativa alguma e sem tomar conhecimento do parecer da equipe técnica, assinou a LI com outras 48 condicionantes que recomendavam novos diagnósticos, programas, subprogramas, monitoramentos e previsão de objetivos. Todas as condicionantes somadas pelas duas licenças, que até hoje não se sabe se foram cumpridas, serviram apenas como trampolim para a Licença de Operação (LO). Essa foi outra transgressão da legislação ambiental.

No Pará, a construção da usina de Belo Monte caminha para o mesmo destino.

sexta-feira, 2 de março de 2012

Rio Tapajós: derradeiro peão no tabuleiro de xadrez da Amazônia


Telma Monteiro

No final de 2011, como resolução de ano novo, eu prometi a mim mesma que deixaria o ativismo socioambiental. Que fique claro que esta não seria a primeira vez a me impor tal determinação. Achei, no entanto, que seria a última e que resistiria bravamente às provocações e apelos das notícias que envolvem os desmandos do setor elétrico contra os povos e rios da Amazônia. Contra a vida, enfim.

Foi em vão. Mesmo desestimulada pelos rumos tomados pelos enfrentamentos socioambientais, dei-me outra chance ao escrever mais este texto. Talvez eu não tenha completado meu carma ou não tenha esgotado meus argumentos para provar as ilegalidades dos processos de licenciamento de grandes obras. Ou talvez eu ainda acredite que temos chances de reverter este modelo de desenvolvimento ultrapassado e predatório que estão impondo ao Brasil.

Sinceramente, não sei. É um comichão danado quando me deparo com fatos e decisões de autoridades ou empresas que subestimam a inteligência do brasileiro. Até aí, nenhuma novidade, pois estão sempre nos tratando como seres abjetos e imersos na fatuidade ou na alienação induzida.

Quis o destino que chegasse às minhas mãos mais um documento que me encheu de verdadeira ira. Mesmo ficando à margem, tentando fazer ouvidos moucos, tenho acompanhado todos os movimentos dos hidropredadores e genocidas de plantão para tratorar (literalmente) o rio Tapajós e a vida que flui dele. Baluarte da inocência dos ecossistemas da Amazônia.  Obra prima que outrora inatingível na sua pureza, ainda encarna o último bastião de um tempo perdido. O Tapajós, hoje, representa o derradeiro peão do tabuleiro de xadrez da Amazônia. Acompanhar sua queda anunciada é um martírio.

A Medida Provisória nº 558

Há muito tempo que a Presidência da República, o Ministério de Minas e Energia (MME), a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e o Ibama estabeleceram entre si um cronograma para destruir o rio Tapajós e pôr em risco os povos e a floresta. Planejam um complexo com cinco hidrelétricas. Em janeiro de 2012  contaram com a ajuda da presidente Dilma Rousseff que assinou a famosa Medida Provisória (MP)nº 558 que fez alterações nos limites dos Parques Nacionais da Amazônia, dos Campos Amazônicos e Mapinguari, das Florestas Nacionais de Itaituba I, Itaituba II e do Crepori e da Área de Proteção Ambiental do Tapajós. A MP liberou, entre outras, a região onde as UCs seriam empecilhos à construção das hidrelétricas na bacia do rio Tapajós.

Minha resistência restou minada.  Como se isso não bastasse, outro fato rompeu definitivamente minha já alquebrada vontade de continuar desconsiderando o óbvio. Explico.


O Termo de Referência do EIA/RIMA da UHE São Luiz do Tapajós

Os projetos hidrelétricos têm obedecido a um padrão no processo de licenciamento. O empreendedor protocola no órgão licenciador um pedido para emissão de licença prévia depois que os estudos de viabilidade técnica e econômica são aceitos pela EPE. No caso do projeto da UHE São Luiz do Tapajós, compete ao Ibama o aceite do EIA/RIMA, o processo de análise dos estudos ambientais e a concessão ou não da licença ambiental. O empreendedor recebe do Ibama um Termo de Referência (TR) para orientar o conteudo do EIA/RIMA e só depois protocola o pedido de licença.

Fiquei absolutamente petrificada ao descobrir que desta feita, o TR para o EIA/RIMA da UHE São Luiz do Tapajós tinha sido elaborado pelo próprio empreendedor que (auto)determinou aquilo que deveria constar do EIA/RIMA. Incrível! Só falta agora ele mesmo se conceder a LP. Para provar o que estou falando extraí uma imagem do respectivo sistema do Ibama em que se lê claramente: TR Apresentado pelo Empreendedor.


Não acreditando em meus próprios olhos fui buscar outros casos no afã de constatar um erro meu. Quem sabe, pensei, todos os outros TRs são elaborados pelos respectivos empreendedores e eu não havia percebido.  Eis a surpresa:

O TR de Belo Monte foi elaborado pelo Ibama


O TR da UHE Santa Isabel foi elaborado pelo Ibama



 O TR da UHE Teles Pires foi elaborado pelo Ibama


 O TR da UHE São Manoel foi elaborado pelo Ibama

 O TR da UHE Santo Antônio do Jari foi elaborado pelo Ibama

 Bingo. Resolvi parar por aqui, só para ficar nas usinas planejadas e em construção no Pará. E para minha surpresa, todos os TRs foram elaborados pelo próprio Ibama e não pelos principais interessados em fazer um EIA/RIMA, digamos, conveniente.

O TR para elaboração do EIA/RIMA  da UHE São Luiz do Tapajós tem outros problemas ainda mais sérios. No TR do EIA/RIMA da UHE Teles Pires, por exemplo, em construção na sub-bacia do rio Tapajós, o Ibama especifiou outros estudos e documentos que integram o processo licenciamento ambiental. São referentes a obtenção de outorga da água, Avaliação do Potencial Malarígeno (APM), Prospecção de material arqueológico, paleontológico ou de interesse histórico, a espeleologia e ainda os estudos etnoecológicos de comunidades indígenas, quilombolas e de assentamentos humanos, conforme a pertinência.

As características físicas dos locais dos dois projetos são, se não idênticas, muito semelhantes. O rio Tapajós nasce da confluência do rio Teles Pires com o rio Juruena e com eles integra uma só grande bacia hidrográfica. Como aceitar que os TRs que orientam os dois estudos, um elaborado pelo Ibama e outro pelo empreendedor, sejam tão discrepantes?

Sobre as terras indígenas que sofreriam os impactos a montante da UHE São Luiz do Tapajós, a menção no TR é risível.  Solicita apenas a identificação, mapeamento e descrição das vulnerabilidades atuais de comunidades indígenas decorrentes da implantação do projeto. Não é mais profundo que uma lâmina d'água. 

O TR da UHE Teles Pires, ao contrário, pede o estudo que relaciona as áreas de abrangência do projeto e a sua influência nos meios físico e biótico em relação às Terras indígenas. Nele há um ítem específico sobre populações indígenas e as diretrizes da Funai, quanto à temática indígena e sua quantificação.  

Quero reforçar que isso tudo não implica, de maneira alguma, que se o TR da UHE São Luiz do Tapajós fosse feito pelo Ibama, o empreendimento deixaria de ser danoso, destruidor ou de ameaçar os direitos dos povos indígenas e das populações tradicionais. Na verdade, o interesse é mostrar como, no Brasil, se distorce as leis e se adequa procedimentos para viabilizar mega-projetos criados para satisfazer interesses escusos.

Pior de tudo é que a imoralidade começa no topo. De Dilma Rousseff ao assinar  a MP n° 558 para "limpar a área" até o Ibama que se absteve do papel de definir um TR para "facilitar" o processo.

De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto. Rui Barbosa

Coloquei a frase do Rui Barbosa no final, pois ela ilustra aquilo que estou sentindo neste momento.

Ferrogrão – soja no coração da Amazônia

Estudo Preliminar 3 - Ferrogrão e a Soja na Amazônia                                                        Imagem: Brasil de Fato   ...