sábado, 30 de janeiro de 2016

Lula, Celso Daniel e eu: dezesseis anos depois


Por Telma Monteiro

Sim, é verdade, eu estive com eles. O ano 2000 teve eleições municipais. Eu era filiada ao PT no diretório do meu município e acabei sendo escolhida coordenadora de campanha do candidato a prefeito.

Nessa época o PT criou grupos de estudos para visitar alguns municípios governados pelo partido e que, sob a ótica do diretório regional, eram bem sucedidos. Santo André, situado na Grande São Paulo, sob a administração de Celso Daniel era um deles. O candidato que eu representava e eu fomos escalados para participar de uma imersão e conhecer o município e a gestão de Celso Daniel.

Chegamos em Santo André bem cedo, na prefeitura municipal. De lá fomos conduzidos para os ônibus que iriam levar as várias delegações de candidatos a conhecer a gestão de sucesso de Celso Daniel e sua equipe. Sentamo-nos nos primeiros bancos e qual não foi nossa surpresa ao perceber que estaríamos acompanhados bem de perto pelo próprio Celso Daniel, por nosso (então) ídolo, Lula, e alguns membros de sua equipe.

Lula era o presidente de honra do PT. Criticava a distribuição de cestas básicas, o assistencialismo, o voto não ideológico, a despolitização do povo. Lula se preparava para as próximas eleições presidenciais de 2002 e a administração de Celso Daniel em Santo André era a sua menina dos olhos. Em 18 de janeiro de 2002 Celso Daniel foi sequestrado e morto e, triste coincidência, seu corpo foi encontrado bem aqui no nosso município. Ele era o coordenador de campanha de Lula.

O grupo no ônibus era brindado com as histórias de como esse e aquele projeto do prefeito tinha tornado o município de Santo André um exemplo. Fomos a parques públicos, às periferias onde os moradores corriam para reverenciar a comitiva e jornalistas acompanhavam. Nada escapou à visita, nem o domo magistral no centro de Santo André que nitidamente era o orgulho de Celso Daniel. Lula se desmanchava em elogios e nós deslumbramos. Aquilo era o nosso partido, era isso que queríamos para o nosso município. Eu votaria no Lula em 2002.

Bem, finalmente chegou a hora do almoço e Celso Daniel nos avisou que estávamos indo para o restaurante. Simples e direto. Mas foi aí que tive o primeiro baque que jamais me sairia da memória e nem das futuras conjecturas. Lula estava em pé na frente do ônibus, junto com Celso Daniel, quando ajeitou a gravata, abaixou-se um pouco para olhar para o para-brisa da frente e disse “espera aí Celso, eu só vou almoçar se for no melhor restaurante da cidade, já passei da fase de comida de quilo”. Fez-se silêncio e então todos caíram na gargalhada e Celso Daniel respondeu “não se preocupe nós já chegamos ao melhor restaurante da cidade”. O ônibus estacionou, descemos todos e realmente estávamos no, então, melhor restaurante da cidade. Bufê farto com (jamais esquecerei) lagosta, camarões, caviar, carnes, peixes e até caviar.

Foi um banquetaço como diria um falecido amigo meu. O restaurante estava fechado para a comitiva. Lula e Celso Daniel e entourage sentaram-se no centro de uma das grandes mesas. Whisky, vinhos, vodcas e cervejas corriam soltos. Nós dois, meu candidato e eu, representantes de um pequeno município sem nenhuma importância estratégica para o partido, dado à sua pobreza econômica, fomos parar na ponta da última mesa.

Almoço terminado eu me levantei, dirigi-me aos anfitriões, mais precisamente ao Lula, e me apresentei, bem como o município que eu representava. Nós não tínhamos um único tostão para a campanha e o diretório regional havia se recusado a nos ajudar. Expliquei ao meu, então, ídolo, pedindo sua interferência no sentido de nos conseguir material para campanha, nem mencionei recursos financeiros, mas apenas panfletos, santinhos, faixas e cartazes. Ele prontamente se dispôs a ajudar chamou alguém “ô Baiano, veja aí o que esse pessoal precisa”. Virou-me as costas e continuou bebendo e gargalhando com o pessoal da mesa. Já estava “alto”.

Por intuição, eu sabia que a ajuda nunca viria. Realmente não veio. Nós perdemos a eleição e, decepcionada, no ano seguinte desfiliei-me do PT. Lula e sua empáfia nunca saíram da minha memória. Para ele, já em 2 000, comer comida de quilo era ser reduzido ao comum dos mortais, ao cidadão trabalhador, ao herói que enfrenta tudo que o brasileiro vem enfrentado nesses tempos bicudos. Para mim não é difícil entender tudo o que descobri depois, durante minha militância contra as usinas do Madeira. A urgência em aprovar as hidrelétricas para a Odebrecht e Furnas e, acredito, que agora com a Lava Jato a justiça finalmente será feita. Espero que Lula coma as quentinhas na cadeia, longe do tríplex tipo “Quinta Avenida” e do sítio a la “Donald Trump”, e aprenda a ser um cidadão comum.

Não achei na Internet nenhuma foto de Lula e Celso Daniel juntos (NA)
Para entender como Lula ajudou a viabilizar as usinas do Madeira com a Odebrecht e Furnas clique AQUI

A história da aceitação política das hidrelétricas do rio Madeira – Parte 1



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