segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

De 2003 a 2014: as hidrelétricas de Lula e Dilma

Foto: Blog Douglas Duran
Por Telma Monteiro, especial para o Correio da Cidadania

Um ano conturbado esse, de 2014. Vai ficar para a história como mais um capítulo da história dos governos Lula e Dilma Rousseff pautados pela corrupção. Corrupção, também, que pode estar entranhada no setor elétrico. A sanha de construir hidrelétricas nos rios amazônicos com a coparticipação das mesmas empreiteiras envolvidas no esquema de propinas da Petrobras, como mostra a Operação Lava Jato, é sinal inequívoco de metástase.

domingo, 7 de dezembro de 2014

Tapajós, Juruena, Teles Pires, Madeira, Mamoré: rios com os dias contados






  • Fazendo pressão política sobre os órgãos licenciadores
  • ingerência das empresas nas suas tomadas de decisões
  • “destravando” os processos de licenciamento
  • atacando o Ministério Público e pressionando o judiciário
  • criando novos conceitos sobre impactos ambientais
  • publicidade enganosa
  • reduzindo áreas protegidas - proposta de novo código florestal
  • Incentivando o aumento das áreas para produção agropecuária
  • Plano Nacional de Mineração 2030
  • pedindo urgência na tramitação do projeto de lei que autoriza mineração em terras indígenas






quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Hidrovias e hidrelétricas na bacia do rio Tapajós: o último passo para desintegrar a Amazônia




“Brasil tem Mississippis para hidrovias" (Kátia Abreu)
“A presidente da CNA fez também uma referência à Hidrovia Teles Pires Tapajós, um dos empreendimentos mais cobiçados pelo agronegócio mato-grossense. Ela permitirá a ligação direta entre Sinop (MT) até Santarém (PA), além de Porto dos Gaúchos (MT) até Santarém (PA). Somente o Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental está orçado em torno de R$ 15 milhões.”[1]

Por Telma Monteiro

Para os mentores do PHE a posição do Sistema Hidroviário do Tapajós é estratégica, pois vai ligar os “maiores centros de produção agrícola do Brasil ao rio Amazonas” e ao Oceano Atlântico. Está implícito que a presença de territórios indígenas é um mero obstáculo muito mais facilmente contornável do que as corredeiras do rio Tapajós. Por cima desses povos indígenas, populações ribeirinhas e das áreas relevantes para a biodiversidade, o PHE pretende passar 9,7 milhões de toneladas de soja, farelo de soja e milho, e fertilizantes, em 2031.

Além da ampla pesquisa no processo de licenciamento e implantação das hidrelétricas na Amazônia, suas consequências para o meio ambiente, povos indígenas e populações tradicionais, acompanho de perto o processo do planejamento da hidrovias na Amazônia, em especial a hidrovia Tapajós-Teles Pires. Na bacia do rio Tapajós encontram-se 35 Terras Indígenas, 27 Unidades de Conservação (9 de Proteção Integral e 18 de Uso Sustentável), 238 Assentamentos do INCRA.

Plano Hidroviário Estratégico (PHE)

O Ministério dos Transportes (MT) deu início ao Plano Hidroviário Estratégico (PHE) para preparar uma estratégia de transporte de cargas e passageiros por hidrovias, até 2031. O Banco Mundial é co-financiador do projeto.

O projeto abrange as principais bacias hidrográficas do Brasil. O plano de transformar os rios amazônicos em uma grande malha hidroviária com instalações industriais em suas margens poderá trazer consequências inimagináveis.  

Em 2011, a convite da organização Both ENDS, apresentei às autoridades holandesas, em Haia, Holanda, um relatório sobre os impactos negativos para o meio ambiente e para os povos indígenas que uma hidrovia no rio Tapajós poderia causar. O governo holandês é o principal incentivador, mentor e fornecedor da expertise do Plano Hidroviário Estratégico (PHE).

Uma equipe de experts da Holanda, em parceria com o Ministério dos Transportes, coordena todo o trabalho de desenvolvimento do PHE. O interesse da Holanda nas hidrovias brasileiras é explicável, pois o porto de Roterdã é o maior da Europa e é para lá que se destinam as commodities brasileiras.

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Hidrelétrica Teles Pires: suspensão de segurança contra os indígenas

No dia 15 de novembro de 2014 a Justiça Federal suspendeu o licenciamento da Usina Hidrelétrica Teles Pires, em construção no rio Teles Pires.

O Ibama, no entanto, amparado por um artifício chamado suspensão de segurança, aliás muito bem explicado no artigo da Helena Palmquist, reproduzido abaixo, desrespeitou a decisão judicial. Concedeu a Licença de Operação (LO) da hidrelétrica Teles Pires menos de uma semana depois, no dia 19 de novembro de 2014. Véspera de feriado prolongado é um bom dia para emitir essa licença. Com a LO o processo de licenciamento se encerra, mesmo com as condicionantes não cumpridas da Licença Prévia (LP) e da Licença de Instalação (LI).

A propósito, colocando mais lenha na fogueira do escândalo da Petrobras envolvendo as empreiteiras, a Companhia Hidrelétrica Teles Pires S/A, Sociedade de Propósito Específico (SPE), responsável por construir e fazer operar a UHE Teles Pires, é constituída pelas empresas Neoenergia (50,1%), Eletrobras-Eletrosul (24,5%), Eletrobras-Furnas (24,5%) e Odebrecht Energia (0,9%).

Depois do leilão foi criado o Consórcio Construtor Teles Pires, contratado para executar o projeto e as obras civis, fornecer e montar os equipamentos eletromecânicos. Ele é formado pelas empresas: Odebrecht, Voith, Alston, PCE e Intertechne, responsáveis pelas obras civis, fornecimento e montagem eletromecânica e engenharia de projeto. A Odebrecht mais uma vez. (Telma Monteiro)


Sentença judicial dá vitória ao Ministério Público Federal, mas governo concede a licença definitiva uma semana depois, amparado por instituto jurídico da ditadura que invalida processo até o trânsito em julgado

Por Helena Palmquist*, especial para Ponte

Construção de hidrelétrica ameaça direitos indígenas, desrespeita seus lugares sagrados e suas terras | 
Foto: Helena Palmquist
O Ministério Público Federal obteve importante vitória na Justiça Federal de Cuiabá, com sentença judicial que ordena a paralisação do licenciamento ambiental da usina hidrelétrica de Teles Pires, no rio de mesmo nome, na divisa dos estados do Pará e Mato Grosso por ausência da consulta prévia aos povos Kayabi, Munduruku e Apiaká, impactados pelo empreendimento. Mas, em vez de serem consultados, os indígenas vão ver o início do funcionamento das turbinas da usina. A decisão é datada do dia 12 de novembro e, uma semana depois, em 19 de novembro, o Instituto Brasileiro do 
Meio Ambiente concedeu a licença de operação da usina, a definitiva.

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Para nunca esquecer de Belo Monte

Quem constrói Belo Monte

Por Telma Monteiro
Estou resgatando essa história para que o leitor entenda como é esse mecanismo de bastidores das grandes obras que favorece as empreiteiras. Belo Monte é um ótimo exemplo. Atualmente é o maior "bolo" repartido entre as empreiteiras. Na Petrobras as obras investigadas somam R$ 59 bilhões. É bom lembrar que só em Belo Monte os investimentos chegarão a R$ 32 bilhões. 

As empreiteiras e o leilão 

O leilão de Belo Monte foi um equívoco. Estava inicialmente prevista a participação de três grandes empreiteiras: Odebrecht, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez. Sim, as mesmas que estão envolvidas no esquema de propinas da Petrobras. As três empresas foram as responsáveis, junto com a Eletrobras, pela elaboração de todos os estudos de Belo Monte. Eles serviram para mascarar a face do monstro em construção num local tão especial como o rio Xingu.

O Tribunal de Contas da União (TCU), no seu relatório preliminar do final de 2009, questionou a viabilidade econômica de Belo Monte e fez várias recomendações à Empresa de Pesquisa Energética (EPE); mandou revisar os custos apresentados, pediu planilhas detalhadas dos custos ambientais e sociais. Chamou atenção, inclusive, para discrepâncias ao comparar os custos de Belo Monte com os custos das usinas de Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira.

A EPE, então, foi fazer uma revisão para atender ao TCU e, em fevereiro de 2010, mandou de volta as novas contas para a análise final. As alterações impressionaram. O preço teto determinado do megawatt-hora (MWh) para o leilão passou de R$ 68 para R$ 83. A desculpa foi que os empreendedores “esqueceram” de incluir os custos com os canteiros de obras de Belo Monte.

Foi nesse momento, nessa revisão de custos, numa canetada, que os investimentos necessários para construir Belo Monte passaram dos R$ 16 bilhões para R$ 19 bilhões. O aumento de 18,75% também foi atribuído aos custos ambientais. Essa foi a justificativa da EPE.

A Odebrecht e a Camargo Corrêa já haviam ameaçado sair do negócio, pois nas suas contas o investimento necessário para construir Belo Monte seria de R$ 30 bilhões. As duas maiores empreiteiras quando perceberam que a EPE confirmara junto ao TCU a revisão para R$ 19 bilhões, desistiram do consórcio que haviam formado para disputar o leilão de Belo Monte.

Mas a Andrade Gutierrez continuou liderando o outro (único) consórcio. Para o governo não seria possível fazer o leilão com apenas um consórcio e partiu no encalço de outras empresas para formar um segundo consórcio e assim legitimar o leilão.

As empresas “laçadas” pelo governo, lideradas pela Chesf, subsidiária da Eletrobras, no entanto, apresentavam alguns problemas de caixa e de falta de experiência na construção de mega hidrelétricas. Além disso, lhes faltava conhecimento técnico da região, dos impactos ambientais, dos conflitos com os povos indígenas e populações tradicionais que lutavam contra Belo Monte desde o final dos anos 1980. Ao contrário das três empreiteiras gigantes envolvidas nas mega obras do novo Brasil grande, inventado pelo governo Lula, esse novo grupo não tinha cacife técnico. Foram mesmo para perder o leilão. Foi uma armação.
Sítio Pimental antes da obra de Belo Monte
Sítio Pimental depois das obras de Belo Monte
Os dois grupos concorreram ao leilão. Um deles liderado pela Andrade Gutierrez, um chamariz para que as demais ingressassem no outro grupo que tinha nove empresas laçadas na última hora. Estranhamente, o consórcio liderado pela Andrade Gutierrez que, pela lógica, seria o vencedor, no qual todos apostavam, perdeu. Perdeu porque tinha decidido perder. O azarão, grupo para tapar o buraco e dar uma falsa ideia de concorrência, acabou vencedor.

O grande negócio

Gerar energia em Belo Monte parecia ser um mau negócio para empreiteiras. Odebrecht, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez não gostaram do tamanho da encrenca que se delineava com as questões ambientais e sociais e a luta incrível dos movimentos sociais e da resistência dos povos indígenas do Xingu.  Mas se reservaram para apenas fazer a obra, o seu verdadeiro negócio. Fazer a obra sem a responsabilidade dos custos ambientais e sociais, e sem os custos das inúmeras batalhas na justiça, seria muito mais rentável. Mamata.
Foto de Fernando Freitas

Essas mesmas empreiteiras umbilicalmente ligadas às campanhas eleitorais e agora, comprovadamente, à propinas, idealizaram fazer Belo Monte com os auspícios da Eletrobras.  A verdade é que o seu único interesse, foi o de fazer a obra e faturar na frente. Sim, pois quem constrói uma hidrelétrica fatura na frente, já que o empreendimento só vai ser rentável depois de funcionar.  
Espertamente, Odebrecht, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez, deram um jeito de o leilão ser concretizado sem elas. De Belo Monte sair do papel. Se a usina vai gerar pouca energia ou muita energia, pouco importa. Lula chegou a dizer que havia lugar para todas as empreiteiras nesse “bolo” chamado Belo Monte. E aí estão elas, as mesmas grandes empreiteiras associadas numa empresa chamada Consórcio Construtor Belo Monte (CCBM).

Hoje a construção de Belo Monte já passa dos R$ 30 bilhões. O BNDES está financiando 80% num prazo de 30 anos com juros de 4% ao ano. Além disso, o governo federal providenciou um grande pacote de benesses para o consórcio vencedor do leilão, hoje chamada de Norte Energia S.A. Bondades que vão desde o desconto de 75% no imposto de Renda por 10 anos, até isenção de PIS e COFINS da obra.

O negócio rentável de Belo Monte está nas escavações em rocha, no canal de desvio das águas do rio Xingu, no concreto, no aço, no sobre preço, na compra dos equipamentos e no dinheiro repassado pelo BNDES com carência e juros abaixo do mercado. Gerar energia? Isso não conta, pois Belo Monte será uma hidrelétrica sazonal e até pode não gerar energia nenhuma. Mas as empreiteiras da CCBM faturam alto e ajudam a eleger presidentes e muitos dos nossos políticos no Congresso.   

É nisso que se resume e justifica de sua existência. Construir mega-obras. Lembrei de um artifício usado por muitas pequenas e médias construtoras para obter obras no interior. Lobistas levavam a pequenos municípios projetos de ponte, viaduto ou uma rodoviária, ou hospital, qualquer obra de infraestrutura necessária. O prefeito aprovava e do pacote fazia parte o acesso rápido ao recurso público para a construção. Lógico que a propina estava incluída no preço.

Assim aconteceu no caso das usinas Santo Antônio e Jirau no rio Madeira. Em 2001, foi a Odebrecht quem levou o projeto das usinas para o governo. Furnas só entrou depois e se tornou parceira. No caso de Belo Monte levou bem mais tempo, mas o formato é o mesmo. Tem também o caixa de campanha que precisa muito das grandes empreiteiras.

A construção de Belo Monte vai de vento em popa, a Norte Energia S.A., consórcio responsável por Belo Monte, contratou a CCBM para fazer as obras civis. Sem licitação. Só os canteiros de obras custaram R$ 2,85 bilhões (valor de 2010). 

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Pela autodemarcação da Terra Indígena Sawré Muybu ocupada pelo povo Munduruku



Por Telma Monteiro

A Terra Indígena Sawré Muybu está localizada na margem direita do rio Tapajós, próximo a Itaituba, Pará e poderá ficar submersa pelo reservatório da UHE São Luiz do Tapajós se ela for construída.

O processo da demarcação da Terra Indígena Sawré Muybu, ocupada pelo povo Munduruku, teve início em 2001. O Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação foi finalizado em 2013 e não foi publicado pela Funai. Como consequência, a homologação e registro da TI não aconteceram. Motivo? A Funai alegou em juízo, entre outras coisas, que não se estabeleceu prazo para emissão da decisão, uma vez que o caso seria complexo.

Em 15 de outubro de 2014, o juiz federal Rafael Leite Paulo, da Seção Judiciária de Itaituba, Pará, atendeu um pedido do Ministério Público Federal. Seu despacho foi claro e conciso. Aceitou os argumento do MPF para imediata demarcação da Terra Indígena Sawré Muybu.

O juiz, então, determinou à Funai a aprovação do relatório circunstanciado da delimitação da TI Sawré Muybu no prazo de quinze dias, bem como sua publicação, no Diário Oficial da União (DOU), do memorial descritivo e mapa da área. Beleza, nós festejamos e aguardamos o cumprimento.

Infelizmente, a decisão não foi cumprida. Em 7 de novembro de 2014, semana passada, o Desembargador Federal Kassio Nunes Marques, do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, não contramão da justiça, suspendeu a liminar no juiz Rafael Leite Paulo. Atendeu ao agravo da Funai.

A alegação da Funai? Apenas tecnicidades ininteligíveis para nós pobres mortais, além de argumentar que inexiste fixação de prazos para conclusão da demarcação. Aí você pergunta o porquê de Sua Excelência o desembargador aceitar argumentos tão pífios.

A decisão do desembargador que impediu a demarcação da TI Sawré Muybu também está recheada de tecnicidades, mas um trecho chama a atenção pela incoerência. O Desembargador Kassio Nunes Marques destacou que “apesar de necessária”, a demarcação não solucionaria os problemas e conflitos vivenciados pelos seus habitantes. E, ainda, depois de 13 anos de tramitação do processo demarcatório na Funai, o desembargador concluiu que o prazo dado pelo juiz Rafael Leite Paulo, para homologar a terra Sawré Muybu, era muito “exíguo”!

Que justiça é essa? 





sábado, 25 de outubro de 2014

Tapajós: hidrelétricas, infraestrutura e caos



O livro Tapajós: hidrelétricas, infraestrutura e caos.  Elementos para a governança da sustentabilidade em uma região singular já está disponível para download. Clique AQUI para baixar.

Organizado por Wilson Cabral de Souza Junior, conta com a participação de vários autores e faz uma análise acurada dos planos do governo de construir hidrelétricas na bacia hidrográfica do rio Tapajós.

Das três terras indígenas, duas - Munduruku e Sai Cinza - serão diretamente afetadas pelos impactos previstos com a construção de hidrelétricas no rio Tapajós e uma, a Kayabi, que acompanha o rio Teles Pires por 280 km, sofrerá impactos indiretos. O município de Jacarea­canga, localizado no curso alto do Tapajós, é considerado uma “cidade” indígena com 60% de seu território cercados pelas terras dos Saí Cinza, Mundurucânia, Kayabi e Munduruku. A Terra Indígena Munduruku é a maior e ocu­pa 12% da bacia do Tapajós.”

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Tapajós: cosmologia Munduruku ameaçada

Imagem: ECI
Telma Monteiro

Destaquei abaixo dois parágrafos do Estudo do Componente Indígena (ECI) do projeto hidrelétrico São Luiz do Tapajós elaborado pela Eletrobras e CNEC/WorleyParsons. 

Nem precisariam ter escrito um relatório de 309 páginas. Apenas esses dois parágrafos já são mais que suficientes para que tanto a Funai, como o Ibama e o próprio governo descartassem definitivamente de seus planos os projetos das usinas do Tapajós. Os Munduruku poderão perder a relação com os seus antepassados. Sua vida passada e os laços com sua história seriam literalmente submersos.

Os impactos decorrentes da construção da UHE São Luiz do Tapajós afetariam diretamente os Munduruku, em especial os lugares sagrados que preservam a história dos seus ancestrais. A perda espacial da referência dessa cosmologia transmitida de geração para geração produziria um dano irreversível na sua cultura. Como seria possível mitigar algo tão intangível?


"Os Munduruku se caracterizam por sua grande mobilidade espacial, gerando novas ocupações e vínculos sociais estendendo-se desde o alto Tapajós até a foz com o rio Amazonas. Assim, diversas localidades ao longo do curso do médio Tapajós são considerados pelos Munduruku como lugares sagrados onde viveram seus antepassados e por isso é de grande valor cosmológico e social na vida e história desta etnia."

 "Considerando as interações comunitárias, importantes para os Munduruku do médio Tapajós, os impactos relevantes se referem a perda de locais devido a inundação e as áreas de intervenção da obra, bem como, ao barramento do rio que interferem na mobilidade dos grupos nos processo de interação com parentes e outros eventos associativos e comunitários."

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Hidrelétrica São Luiz do Tapajós: uma “bomba-atômica” no rio Tapajós


Detalhe das corredeiras São Luiz do Tapajós
Fontewww.gazetadesantarem.com.br
Por Telma Monteiro

Estou começando a ler o EIA da hidrelétrica São Luiz do Tapajós que o governo planeja construir no rio Tapajós, próximo a Itaituba, no Pará. O sítio belíssimo onde estão as cachoeiras São Luiz do Tapajós foi o local escolhido para erguer esse monumento ao desperdício. Daqui para a frente pretendo postar um série de textos, conforme minha leitura e relevância dos dados, que podem ajudar a entender um pouco mais o que essa mega obra significa para a sobrevivência do rio Tapajós e sua biodiversidade, das unidades de conservação e das populações do entorno.

O processo para construir a UHE São Luiz do Tapajós passou, na atual fase, pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e pelo Tribunal de Contas da União (TCU). O Estudo de Viabilidade Técnica e Econômica (EVTE) tem que ser aprovado pelo TCU. A etapa seguinte é a elaboração do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Respectivo Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) que é responsabilidade da EPE. O EIA/RIMA tem que atender o Termo de Referência (TR) do Ibama.

O EIA/RIMA, por definição do papel institucional, deveria ser elaborado pela EPE[1]. No entanto a EPE abre licitação e subcontrata empresas que, sempre, são as interessadas no projeto. É uma questão que deverá ser discutida mais a fundo. Os estudos da UHE São Luiz do Tapajós foram feitos pela própria Eletrobras em parceria com a CNEC WorleyParsons Engenharia S.A.[2] O Ibama recebeu os estudos ambientais para análise na primeira semana de agosto de 2014.

O Ibama poderá ou não conceder a Licença Prévia (LP), mas só depois das audiências públicas que nada mais são, no meu entendimento, do que praxe para legitimar o empreendimento. Nessas audiências os desenvolvedores responsáveis pelos estudos têm todo o tempo que achem necessário para expor a natureza do projeto e suas tecnicidades. A sociedade que comparece só pode se manifestar por exíguos minutos. O entendimento é que as sugestões dos participantes deverão ser incorporadas ao EIA/RIMA. Nunca tive a oportunidade de constatar que o Ibama o tenha feito. O MPF questionou, em ação contra Belo Monte, essa desconsideração das contribuições das audiências públicas.  Mas é esse o “formato” que tem sido obedecido.
A Licença de Instalação (LI) vem depois do leilão de compra de energia a ser definido pela Aneel. É estabelecido um preço teto e o grupo que apresentar o valor com maior deságio ganha o “prêmio”. O próximo passo é definir as medidas de proteção ambiental que, se aprovadas, levam à concessão da LI. Se tudo der certo (para o governo), a LI da UHE São Luiz do Tapajós poderá ser concedida pelo Ibama somente no próximo ano. O (a) novo (a) presidente é quem vai estar no palco desse imbróglio.

Usina-plataforma?

Lendo o primeiro volume do EIA me chama a atenção o conceito de usina-plataforma que os desenvolvedores do projeto tentam nos fazer assimilar. Com que despudor está descrito no texto como a “usina-plataforma vai consolidar as boas práticas socioambientais na construção de hidrelétricas”. Abaixo transcrevo uma pequena amostra:

“[usina-plataforma] concepção contemporânea de engenharia e construção que tem como objetivo o desenvolvimento energético realizado de forma integrada e em conciliação com a conservação do meio ambiente”
“Definição básica [de usina-plataforma]: consiste em uma metodologia para planejar, projetar, construir e operar um aproveitamento hidrelétrico ou um conjunto de aproveitamentos hidrelétricos situados em espaços territoriais legalmente protegidos, ou aptos a receberem proteção formal e em áreas com baixa ou nenhuma ação antrópica, de modo que sua implantação se constitua em um vetor de conservação ambiental permanente”.
“O conceito de “Usina-Plataforma” é baseado nas plataformas de petróleo e tem como objetivo a realização das menores intervenções possíveis nas etapas de construção e operação das hidrelétricas sobre o meio ambiente, no caso a floresta amazônica.”

A teoria é pura fantasia. Quando entrei no trecho do texto que explica como o fabuloso conceito de usina-plataforma será aplicado na construção da UHE São Luiz do Tapajós, tive a certeza de que se trada de mais um engodo.

O estudo admite que os processos de desmatamento e degradação ambiental acontecem pela ocupação humana no entorno das obras. Que no pico da construção serão contratados cerca de 13 mil trabalhadores. Que pretendem evitar tamanho impacto na região, em especial na margem esquerda onde está o Parque Nacional da Amazônia. Como? Pergunto.

Com as estratégias elencadas baseadas na concepção de usina-plataforma e que nada tem de novo a não ser o nome. Já de cara existe uma incoerência. De início se diz que usina-plataforma vai preservar regiões não antropizadas. Mais adiante se explica que a estratégia desse conceito é que o canteiro de obras principal e acessos se localizaram em área já antropizada na margem direita. Isso, segundo a proposta, vai reduzir os impactos sobre a floresta na margem esquerda (?). Mistério!

Quanto aos alojamentos dos trabalhadores os autores informam que a localização também será na margem direita pelos mesmos motivos elencados. Para completar a “novidade” as estruturas residenciais serão desativadas no final. Então me fiz a pergunta óbvia: mas não tem sido sempre assim? A ocupação será inevitável no entorno? Onde está aquele "conto da carochinha", veiculado na propaganda da Eletrobras, em que os operários seriam levados de helicópteros, como nas plataformas de petróleo, para evitar a construção de alojamentos?

Não parou por aí. Mesmo na margem esquerda haverá um canteiro de obras para a construção das ensecadeiras e barragem e, pasme, o acesso será pela Transamazônica. Cadê a novidade? Mas agora vem o pior: a proposta é fazer parceria com o poder público local para evitar o surgimento de vilas ou novas cidades. Vão construir cerca eletrificada?  

Quer saber mais? Pois bem, há previsão de “alojamentos, canteiros e outras infraestruturas de apoio às obras civis e de montagem dos equipamentos eletromecânicos, compactos, de fácil desmonte e com estruturas reutilizáveis, e localizados preferencialmente em área do futuro reservatório ou áreas próximas já antropizadas, e serem ambientalmente sustentáveis. Nessas áreas, deverão ser consideradas as melhores práticas de gestão ambiental. Ao final da obra, as áreas não aproveitadas devem ser recompostas. Os canteiros que não se localizarem na área do futuro reservatório.”  Isso é exatamente o que se tem feito em outros empreendimentos e que está contemplado nos programas sociais. Onde está o conceito de usina-plataforma? Não vou mais discorrer sobre essa incoerência, pois já ficou claro que se trata de muito mais do mesmo.

A grandiosidade do monstro

Sinceramente, é humanamente impossível pensar em algum conceito ou metodologia de menor intervenção no meio ambiente apelidado de usina-plataforma, diante dos números apresentados nos estudos, como os surpreendentes 7.608 m de extensão total da barragem (mais de sete quilômetros e meio), no sentido diagonal do rio. Ou a área de 729 km² que ficará permanentemente inundada. Ou o reservatório que terá 123 km de extensão. Isso não será um verdadeiro estupro da floresta?

Mapa do local da barragem e legenda
Fonte: EIA/RIMA
Há muito mais ainda, como o consumo aproximado 2.800.000 m³ de concreto convencional; de 850 mil toneladas de cimento; de 208 mil toneladas de aço. Só de rochas serão escavadas perto de 22 milhões de m³. Alguém tem ideia do que isso significa em termos de intervenção local? Basta dar uma olhada nas fotos da destruição do ambiente causada pelas escavações do canal de desvio das águas do rio Xingu, nas obras da usina de Belo Monte.
Fonte: EIA/RIMA
Engenheiros e arquitetos que acompanham nossa luta contra os projetos hidrelétricos desnecessários nos rios amazônicos, e que surfam nas redes sociais têm ideia do que significam os números acima. Imagine toda essa espécie de “bomba atômica” caindo no coração da Amazônia, no rio Tapajós, no limite das belíssimas cachoeiras de São Luiz do Tapajós e de toda a biodiversidade da região.

Outro trecho do EIA que causa o mais profundo terror porque descreve em poucas palavras a importância ambiental da região:

“O Complexo Tapajós está sendo planejado na bacia do rio Tapajós e sua importância energética pode ser comparável à sua relevância ambiental. Além de se situar no coração do bioma amazônico, entre a confluência dos rios Juruena e Teles Pires e a foz do Tapajós no rio Amazonas, é região de baixa densidade populacional, bem conservada do ponto de vista ambiental e detentora de Unidades de Conservação que perfazem 52% da sua área total.”

Quem pensou que a UHE Belo Monte, no rio Xingu, seria a maior surpresa em termos de dimensões e custos de uma hidrelétrica no Brasil, se enganou.
Fonte: EIA/RIMA
Alguém tem alguma dúvida dos impactos que mais essa monstruosidade poderá causar? Bom, ainda não consegui ler as quase 3 mil páginas dos estudos ambientais. Tenho outra preocupação sobre se vão nos dar uma ideia de quanto ouro poderá sair de todas as escavações e remoção de rochas previstas na construção. Afinal, essa região está inserida no maior distrito aurífero do mundo.

O processo está tramitando no Ibama. Notícias na mídia já falam em leilão antes do final do ano. Tem muita água para passar debaixo dessa ponte. E, espero, tem o MPF que está de olho no caso. Ou a equipe técnica do Ibama, num surto de consciência, pode perfeitamente emitir um parecer técnico que conclui não haver viabilidade ambiental, por exemplo. Um juiz poderá dar uma liminar que impeça mais essa catástrofe, já que há várias ações civis públicas tramitando no judiciário. Milagres acontecem, né?




[1] LEI N° 10.847, DE 15 DE MARÇO DE 2004. Autoriza a criação da Empresa de Pesquisa Energética – EPE e dá outras providências. Artigo 4°, X - desenvolver estudos de impacto social, viabilidade técnico-econômica e socioambiental para os empreendimentos de energia elétrica e de fontes renováveis; disponível em http://www.epe.gov.br/Downloads/Lei_10.847_15.03.04.pdf
[2] Criada em 1959 – por professores da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, um dos mais renomados centros de formação em engenharia no país –, a CNEC foi incorporada, dez anos depois, pelo grupo Camargo Corrêa. Em 2010, a CNEC foi adquirida pelo grupo australiano WorleyParsons, agregando expertise em exploração de petróleo, construção de refinarias, portos e plataformas em águas profundas – setores em expansão no Brasil. A integração também fará com que a CNEC WorleyParsons se torne uma referência em hidroelétricas na América Latina. Disponível em http://www.cnec.com.br/htmls/quemsomos.php

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Presidência da República convida os Munduruku para reunião

Imagem: RIMA da UHE São Luiz do Tapajós
Não confio nesse convite. A Secretaria Geral da Presidência da República está convidando os Munduruku para uma reunião nos dias 2 e 3 de setembro. Vai apresentar uma “proposta” para consulta aos indígenas que vivem na bacia do rio Tapajós. Exigência da justiça para cumprir a convenção 169 da OIT. Até aí, tudo bem. O que chama a atenção, no entanto, no final da nota (transcrita abaixo), é o objetivo de possibilitar a “ampla informação e participação das comunidades”, aquelas “direta ou indiretamente impactadas pelos empreendimentos.” Isso já não caracteriza a decisão tomada de construir as hidrelétricas? Fato consumado?
Afinal, vai ser proposta de formato para consulta ou mais um artifício para legitimar os planos de construir as hidrelétricas no rio Tapajós? (Telma Monteiro)


Publicado: 04/08/2014 16h32
Última modificação: 04/08/2014 16h43

O governo federal, através da Secretaria-Geral da Presidência da República, realiza nos dias 2 e 3/9, na aldeia Praia do Mangue, município de Itaituba (Pará), reunião com representantes de entidades, aldeias e lideranças do povo Munduruku.  O objetivo é apresentar a proposta de consulta aos povos indígenas que vivem na bacia do rio Tapajós sobre possíveis projetos de empreendimentos na região.
Na ocasião será definida a forma que a consulta deve ser realizada, conforme a Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e de acordo com decisão da Justiça Federal de Santarém (PA).  A iniciativa do governo federal visa pactuar um processo que possibilite ampla informação e participação das comunidades que possam ser, direta ou indiretamente, impactadas pelos empreendimentos. 

Ferrogrão – soja no coração da Amazônia

Estudo Preliminar 3 - Ferrogrão e a Soja na Amazônia                                                        Imagem: Brasil de Fato   ...